Conheça Moises Silva, professor e empreendedor que acaba de inaugurar sua confeitaria no Grande Pirambu

O gosto pela cozinha veio desde pequeno, mas o amor pela confeitaria percorreu um caminho mais difícil. Filho de mãe solo e com um irmão caçula, Moises Silva se adaptou às adversidades, com a determinação que ele mesmo reconhece em si.

Nascido no Grande Pirambu, um lugar que carrega muitos estigmas, o professor e confeiteiro, também empreendedor, fundou a Burburinho, carregada de muitos doces, mas também de tantos sonhos. Ele começou na cozinha quente, e antes até estudou curso técnico de Comércio, mas na Confeitaria descobriu versões suas que o tem surpreendido: professor, empreendedor e um profissional de mão cheia.

Moises Silva (Foto: Arquivo pessoal)

Aos Sabores da Cidade, Moisés detalha a sua trajetória. Quando tudo começou, os planos que foram traçados e também as doces surpresas. De lá para cá, nasceu a Burburinho Café, onde sua criativa dá vida e sabor ao bairro Cristo Redentor. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

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Moises, como a gastronomia entrou na sua vida? Sempre foi a carreira dos seus sonhos?

A minha história com gastronomia vem desde um pouco mais cedo. Quando eu era criança, porque eu sou filho de mãe solteira, fui criado apenas com a minha mãe, e aí eu tenho um irmão mais novo que eu, quatro anos.

Então, ela tinha que ir trabalhar e a gente teve que se aprender a se virar muito cedo. Ela sempre ensinou para gente fazer um arroz, um frango, tudo na cozinha, ela já ensinou desde muito cedo. E eu sempre tive, não digamos uma paixão, mas sempre um carinho muito grande dentro da cozinha, de cozinhar e tudo.

Eu tenho uma lembrança muito grande de quando eu era pré-adolescente, na verdade, que eu estava na casa de uma amiga minha e eu sou da periferia, então tem muitas coisas que a gente não tem muito acesso. Eu lembro que um dia a gente fazia um trabalho da escola à tarde, ela disse que tinha morango na casa dela e perguntou se eu queria criar alguma coisa para gente comer naquele momento. E eu tenho uma lembrança muito grande que eu fiz uns morangos tostados com queijo assado também. E aí eu sempre tinha meio que essa vontade de criar coisas novas. E sempre minha vida foi cozinhando, aprendendo a se virar, cozinhando eu e meu irmão dentro da cozinha desde muito novo.

E aí quando você chega no ensino médio, eu fui de escola profissionalizante e eles te preparam muito para o mercado do trabalho. E eu fiz Comércio. Então tinha tudo a ver com a área, digamos profissional, o âmbito profissional com que você de fato quer trabalhar. Eles sempre falavam aquele velho clichê, trabalha com aquilo que te dá alegria, que todo dia não seja um trabalho, um lugar que você se sinta bem. E aí eu passei os três anos do ensino médio ouvindo muito isso, né? Acabou que sempre veio essa vontade de gastronomia, sempre foi.

Eu sempre pensei em gastronomia, não, eu gosto muito de cozinhar, então vai ser gastronomia. E aí no ensino médio tive dois amigos também muito fortes, muito próximos, que a gente trocava muito ideia sobre gastronomia que a gente deveria fazer depois de ensino médio e a gente se formou em Comércio.

E aí no primeiro semestre, a gente saiu no final do ano, no primeiro semestre quando eles saíram, eles já ingressaram na faculdade e a gente queria fazer faculdade nós três. Só que eu pesquisei muito, eu fui bolsista do Prouni, eu tive 50% de bolsa, só que eu queria fazer na faculdade que eu queria fazer, eu pesquisei muito todas as faculdades aqui de Fortaleza e naquele momento o que mais me encantou foi a grade da Fanor, porque eu a gente ia ter francês, a gente ia ter drinks, ia ter cozinha contemporânea, então eu achei uma grade mais completa e eu fui para a Fanor.

Não consegui estudar com os meus dois amigos, eles se formaram um semestre antes que eu, mas eu fui, fiz onde eu queria ter feito e eu acho que foi o melhor lugar também, peguei um período muito bom na Fanor e desde lá eu sabia que era isso.

Meu primeiro emprego antes da cozinha, assim que eu saí do ensino médio, eu fui trabalhar no departamento pessoal, porque outra área que eu gostava muito era recursos humanos. Departamento Pessoal, essas coisas mais burocráticas eu sempre gostei muito, e os meus professores da escola falavam que eu tinha muita aptidão para isso, porque eu tenho uma boa comunicação, tenho muita habilidade interpessoal. E aí eu fui, fiz faculdade, me formei, e desde o meu primeiro semestre eu me considero uma pessoa muito determinada.

Moises Silva (Foto: Arquivo pessoal)

No meu primeiro semestre eu já saí do Departamento Pessoal, eu consegui um estágio como chapeiro, e entrei no mundo da gastronomia, isso em 2016.2. Então tudo aconteceu, digamos, que de forma muito rápida.

Por que escolheu trabalhar na área da confeitaria?

Eu comecei na Cozinha Quente, porque na faculdade em si tudo dava errado na confeitaria. Eu não gostava de confeitaria nem um pouco, tudo dava errado. Eu chorava em todas as aulas e eu não gostava de jeito nenhum de confeitaria. Só que eu era muito determinado com as minhas coisas. E aí a gente terminou a cadeira de confeitaria e eu pensei “eu acho que o que faz um bom profissional é a área, a vivência na área dentro de uma cozinha”. E não, claro que o conhecimento da faculdade é muito importante, mas o que te faz um bom profissional é o dia a dia.

Eu pensei, “vou tentar conseguir um estágio na confeitaria e eu vou ver se de fato isso vai ser para mim ou não”, já que ela era um mistério muito grande, era uma cadeira muito difícil. Eu não conseguia fazer basicamente nada, então eu poderia fazer um estágio de um mês, que foi no período de Páscoa, a maioria das confeitarias elas contratam estagiários somente nesse período.

E aí eu fui, foi na Sablé Diamant, que atualmente ela é fechada, mas foi um confeitaria muito grande aqui em Fortaleza. Ela fechou no período de pandemia, mas foi um confeitaria muito grande, foi referência em Fortaleza.

E eu fiz o estágio lá de um mês, vi que a confeitaria era maravilhosa, era perfeita, não era nada do que eu imaginava. Depois de um mês, depois do estágio, eles quiseram me contratar e eu fiquei lá um ano e seis meses. Eu me apaixonei pela confeitaria. Comecei a me especializar, fui fazer escola de confeitaria do Diego Lozano lá em São Paulo. Fiz o confeiteiro Master. Enfim, eu fiz o curso máster dele, que é o curso mais completo, que conta pra gente como se fosse uma especialização. E aí eu adorei.

Eu vi que eu tinha muita aptidão em relação à confeitaria, tive um padrinho muito grande, digamos assim, um pai, que foi o Filipe Cicconato, me ensinou muita coisa, me impulsionou bastante e é um amigo que eu vou levar pelo resto da vida, sou muito grato a ele por todos os ensinamentos.

Tive a parceria muito grande também de uma professora minha que foi da faculdade, que foi a Vivian Teixeira. No decorrer da carreira a gente meio que vai se desgastando em relação a algumas coisas da vivência da área, como qualquer outro âmbito profissional, desde a cozinha até mesmo áreas executivas, administrativas, qualquer outra área, o mercado de trabalho às vezes chega a ser um pouco hostil, então eu pensei em desistir algumas vezes e essa minha professora não deixou com que isso acontecesse, porque eu sempre me dei muito bem e eu fiquei na gastronomia e esse é o meu lugar.

Como tem sido atuar como professor? O que destaca dessa experiência?

Eu sempre fui apaixonado por docência. Essa minha professora, ela fez eu me apaixonar pela docência, porque ela ensinava de uma forma que era muito leve de se aprender, diferente dos outros professores, que querendo ou não, às vezes meio que estreitavam o caminho quando a gente tinha alguma dúvida, ou então a didática não era de uma coisa mais fluida, né, e a Vivian ensinava assim com um carinho, de forma genuinamente bem, sabe, bem explicativa, super didática, então eu me apaixonei pelo jeito que ela ensinava e pelo carinho que ela falava da gastronomia, mesmo não sendo uma área tão fácil de se trabalhar.

Então eu me apaixonei pela docência. Eu lembro que quando eu saí da faculdade eu já queria ter feito um mestrado também, eu queria saber o que precisava para entrar em centros acadêmicos, estudar mais para eu poder entrar, né, só que de fato não aconteceu, veio a correria, veio o trabalho, um trabalho, depois outro. Enfim, eu fui deixando essa vontade de lado. Até que eu comecei a dar aula em uma escola profissionalizante em Fortaleza, no Instituto Mix, e era só o sábado, três horas aulas, e aí eu fui me desenvolvendo cada vez mais.

E eu amei, e eu amo passar conhecimento para as outras pessoas. Eu conheci pessoas no meio dessa trajetória, que elas se negavam a te dar uma receita, ou te dar, sei lá, um pulo do gato. E eu fui trazendo isso para mim dizendo que eu não queria ser esse tipo de pessoa. Porque mesmo que eu tenha a receita do melhor bolo do mundo, e você tenha também, ou qualquer outro, pode botar aí cinco pessoas aqui com a mesma receita. O bolo vai sair diferente de um do outro. Isso é quase cientificamente comprovado, porque dá muito diferente. O ato de cozinhar, de confeitar, de produzir algo é muito você com aquilo que você está produzindo. Então sempre sai muito diferente de cada pessoa.

Eu fui me especializando mais, fui vendo didática de outros professores e eu gosto muito disso. Eu acho que algo que me destaca é pela leveza e pela fluidez que eu passo um conhecimento para alguém que quer aprender, sabe? Eu tento que ser o mais didático possível, eu tento falar na língua das pessoas também.

Falando em processo criativo, como você se inspira para criar novos doces?

Como a gente é de Fortaleza, eu gosto muito de trabalhar com tudo que é um pouco mais refrescante, porque eu acho que fruta e doce remetem muito a gente. Então, eu gosto muito de trabalhar com sobremesas que têm doce. Um das minhas sobremesas preferidas é a Banoffee, porque querendo ou não, ela tem um doce de leite, porque é muito da gente, a gente utiliza muito. E banana também, porque traz esse ar de fruta, né, que a gente gosta bastante.

Então tudo que eu tento trazer muito pros meus doces, além de parecer um pouco mais comigo, porque eu sempre tento trazer algo bem mais diferente. Eu gosto muito de trabalhar com doce, e as minhas inspirações são coisas que saem mais da normalidade.

Quais as suas referências na confeitaria e que te inspiram?

E o que me inspira são coisas mais inusitadas possíveis. Ano passado eu fiz um ovo para São Braz que tinha um filtro, como se fosse uma torneirinha que saísse a bebida São Braz de dentro. Esse ano eu queria fazer como se fosse uma fonte. Eu até tive a ideia. Eu formalizei até mesmo com uma galera que é da engenharia para poder saber se daria certo. Mas por conta da falta de tempo e da correria, por conta da abertura da loja, eu não consegui. Mas a ideia está aí. Então eu acho que ainda possivelmente possa vir nessa semana de Páscoa.

Burburinho Café

Eu cresci muito bem na área, vendo o Felipe Siconato, que eu quero mandar ao Filipe Cicconato, ele foi da Escola de Confeitaria do Diego Lozano, então a base do Diego Lozano e do Cicconato é muito francesa, então eu gosto muito de aplicar outras coisas, aplicação de merengues de bases francesas, como creme pâtier, trabalho com claras, financier, outros cremes que sejam mais cremosos, mesmo querendo ou não que a confeitaria francesa tenha muito, muito açúcar, maquiagem, eu tento tirar o máximo né.

Mas as minhas inspirações, assim, é o chefe Diego Lozano, porque ele é o pai da confeitaria brasileira, o Filipe Cicconato, porque veio de São Paulo pra cá e me ensinou bastante, Well Teixeira, que participou do Master Chef, foi o cearense que nos representou lá, e ele é meu amigo também, é um colega muito forte, então o Well é uma inspiração muito grande. Diego Lozano, Filipe Cicconato, o Amalri, porque ele é o pai do chocolate, Joyce Galvão, porque ela é a mãe dos bolos.

Como surgiu a ideia de criar o Burburinho Café?

Eu sou da periferia, eu moro em bairro em Fortaleza, no Cristo Redentor, mas conhecido como grande Pirambu. E quando a gente fala que mora no Pirambu, a galera já vem com aquele negócio, o “vixe”. Eu sempre quis trazer uma confeitaria para o meu bairro. Querendo ou não, quando a gente fala de confeitaria, a galera remete muito a bolo, a brigadeiro ou até mesmo pudim, brownie.

E a confeitaria é um universo tão grande, a gente tem tantas coisas para mostrar para a galera sobre confeitaria e um dos meus maiores sonhos, antes mesmo de ser confeitaria, eu tinha a vontade de explorar ao máximo sobre a região pesqueira, fazer um projeto bem massa para falar sobre a cultura alimentar do meu bairro mesmo.

Mas quando eu entrei na confeitaria eu pensei “cara, a minha mãe e o meu irmão sabem o que é um macarrons, sabem o que é uma cheesecake, o que é um mil folhas, só que o meu vizinho não sabe o que é isso.

Querendo ou não quando a galera fala de confeitaria fina ou contemporânea, remetem a bairros nobres. Eu queria muito proporcionar isso para a periferia onde eu moro. Quando a gente conseguiu colocar isso, eu fiquei muito feliz. Quando a gente conseguiu um ponto, a loja não é alugada, o ponto é meu.

Não que eu queira mudar as nossas regionalidades, porque tudo que é muito cultural da gente, a goiabada, a rapadura, eu não quero mudar isso, porque isso já está enraizado na gente, mas eu quero trazer outras nuances sobre confeitaria também.

Para quem ainda não conhece, como você descreve o Burburinho Café? Qual a proposta da casa?

O Burburinho Café, ela veio para ser um café, no meio de uma periferia, com que as pessoas possam conhecer de fato que é uma boa confeitaria. Eu estou querendo trazer para periferia um confeitaria de fato que tenha tudo isso de uma confeitaria. Tem uma tartelete bacana, tem um cheesecake, tem a um mil folhas. Então, que seja, trago assim, doces de fato da confeitaria contemporânea para uma periferia.

Quais os planos para o Burburinho Café? Alguma novidade que possa nos adiantar?

Eu quero que, de fato, a gente seja reconhecido. Não sei se numa proporção, digamos assim, na cidade toda, mas eu quero que a gente seja reconhecido pelo trabalho, pelo impacto que eu quero criar aqui mesmo na periferia.

Depois, Páscoa, eu vou tentar fazer mais coisas ainda, porque agora eu estou trabalhando só com vitrine. Mas eu vou tentar trabalhar com coisas finalizadas na hora, como tapioca, cuscuz, para trazer essa versatilidade maior ainda, porque de fato eu quero que seja uma coisa de sucesso e que traga essa representatividade de ter, de fato, uma confeitaria na periferia, na favela, tá?

Não é querendo me apoiar nessa pauta, mas sim, de fato, porque isso acontece, sabe? Então acho que o que a gente pode esperar é sucesso. Seja reconhecida, que possa entrar em competições também, que possa ser reconhecida.

Quem é o Moises fora da cozinha? O que gosta de fazer e o que te representa?

Eu sou um cara muito família, gosto muito de estar rodeado de amigos e minha própria família, né, como eu falei. Gosto muito de contato com as pessoas, eu não sou uma pessoa de WhatsApp, eu não sou uma pessoa de muito de Instagram, na verdade eu posto tudo no Instagram.

Mas eu não sou uma pessoa de manter contato pelas redes, digamos assim, eu sou mais do pessoal. Então eu gosto de estar muito presente com a minha família, eu gosto de estar junto com os meus amigos, gosto muito de ir em barzinhos, adoro ir para forró. Pegar um forrózinho, uma coisinha assim mais calma também, às vezes, um bom vinho, luzes quentes, é um pouquinho disso.

Por último, qual conselho você dá para quem está iniciando na gastronomia e tem o desejo de ter o seu próprio negócio?

É loucura, mas não é impossível. O velho clichê de sempre, não desista. Vá fazer acontecer e não desista porque vai ser muito realizador. Vai ter dias e dias, de muitas vendas e poucas vendas, mas é não desistir.

Pitadas de Moises

O que não pode faltar na sua cozinha?
Um bom processador.

Qual receita de família é marcante para você? De quem é?
A charlotte da minha tia.

Uma música para ouvir cozinhando?
Collors, da Halsey.

Livro predileto? Não precisa ser de gastronomia.
Eu te Darei o Sol e de gastronomia a Enciclopédia de Chocolates, do Senac.

Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
Comida de boteco, barzinho. Comida regional, pratinho.

Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
A praia. Mercado São Sebastião.

Serviço

Burburinho Café
Redes sociais: @burburinhocafe
Localização: Av. Monsenhor Hélio Campos, 89 – Cristo Redentor
Funcionamento: Quarta-feira a sábado, das 8h às 11h e das 15h às 20h

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