Neiva Evangelista, a padeira que mudou o mercado de pães artesanais em Fortaleza

Foto: Arquivo pessoal.

Natural de São Paulo, mas com coração cearense, Neiva Evangelista detém uma história daquelas que devem ser conhecidas. Pioneira no ramo da panificação artesanal em Fortaleza, ela é intensa, curiosa e gosta de um bom desafio. Um dos maiores foi se aventurar na capital cearense após viver em São Paulo por 30 anos.

Filha de pai cearense, o José Torres, e mãe paulista, a Yolanda Cruz, Neiva chegou em Fortaleza e em pouco tenho começou a conquistar o seu espaço. Mas, sua relação com a produção de pães artesanais inicia ainda em solo paulista, quando ela fez um pão para saciar o desejo de uma médica que estava grávida. Esse episódio tem exatos 34 anos. De lá para cá, o seu nome tornou-se referência.

Tamanha dedicação gerou muitos reconhecimentos ao longo da carreira. Alguns exemplos são a capa da revista Prazeres da Mesa (2011), o título de Melhor Padeira do Nordeste (2013), além de vencer como Melhor Padeira do Brasil nos anos 2015 e 2016. Em 2018 foi eleita Padeira do Ano pela revista Panificação Brasileira.

Padeira e consultora em panificação artesanal, ela também é autora. Escreveu o livro “Voltamos porque tem pão”, mas não é apenas na literatura que ela emprega a sua criatividade. Suas criações são de destaque, como o querido “pão de jerimum, carne do sol e rapadura” e também o “pão de macaxeira com caranguejo e chutney de cajá”. Mas, mesmo inovando, ela se mantém ligada às suas raízes.

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Por falar em raízes, foi durante o seu crescimento, vendo e aprendendo com sua tia Nena a fazer pão doce para o café que o seu amor pela panificação foi sendo cultivado. “Cada mulher da minha família materna tem um dedinho no meu amor pela gastronomia”, ressalta.

Para conhecer esse autora, os leitores e leitoras do Sabores da Cidade podem adquirir o livro por metade do preço, saindo por R$ 30, até o Natal deste ano. Para encomendar a sua edição, basta entrar em contato pelo WhatsApp (85) 99296-9078.

Leia a entrevista na íntegra abaixo e conheça melhor a trajetória de Neiva Evangelista.

Sabores da Cidade: O que despertou em você a vontade de trabalhar com panificação artesanal? Quando começou?

Neiva Evangelista: Hoje eu acredito que é um dom, tinha que ser pão! Quando criança, eu admirava e observava minha tia Nena fazer pão doce para o café. Ela me envolvia no processo, me dava pedacinhos de massa e me colocava como “vigia da fermentação”. Quando a bolinha de massa subia em um copo com água, ela dizia que estava quase na hora de assar.

Essas técnicas caseiras antigas me inspiraram. Cada mulher da minha família materna tem um dedinho no meu amor pela gastronomia.

Comecei minha trajetória em São Paulo, em 1992, há 34 anos. Fiz um pão para uma médica do Hospital do Sesi — só para saciar o desejo de uma grávida — e, daquele dia em diante, não parei mais. No início, trabalhava em casa atendendo várias unidades do Sesi/SP. Depois montamos nossa primeira padaria e, em 1996, vendi o negócio para vir rumo a Fortaleza. Uma etapa cheia de desafios, que conto no meu livro.

Seu pioneirismo na padaria artesanal em Fortaleza é um dos destaques da sua trajetória. Quais foram os maiores desafios?

Foram muitos. Primeiro, o desconhecimento do mercado local. A cultura do pão era muito diferente do Sul ao Nordeste. Quando cheguei a Fortaleza, também vim focada em conhecer os moinhos e a história do trigo, que sempre me fascinou. Fiz cursos, visitei produções e isso abriu minha visão sobre o que eu enfrentaria.

Outro desafio foi identificar meu público. Eu chegava com muita informação, variedades e precisava testar o paladar das pessoas. Um exemplo: quando introduzi o pão australiano nos eventos, todos estranhavam o pão “preto”. Eu servia com geleia de frutas vermelhas e fazia degustações — logo virou um dos mais vendidos.

Também fui pioneira nos pães congelados. Foi um trabalho de formiguinha, principalmente para mostrar aos restaurantes o quanto poderiam economizar e ganhar em qualidade. O boca a boca fez o resto e os clientes dos restaurantes passaram a buscar diretamente a padaria. Outros desafios conto no meu livro — e não foram poucos.

Após tantos anos, como equilibra tradição e inovação nas receitas?

Tenho um leque enorme de produtos tradicionais, alguns queridinhos que não posso deixar de produzir. Meu destaque sempre foi o regional: pães com carne de sol, caranguejo, linguiças especiais e outras misturas inusitadas.

Tradição e inovação precisam caminhar juntas. A tradição é a essência, o ponto de partida. A inovação é o crescimento, faz você evoluir sem perder sua identidade.

Uso a inovação principalmente em eventos e aulas, onde gosto de apresentar algo novo e surpreender quem participa.

Sobre o seu lado autora: o que te motivou a transformar sua experiência em um livro?

O livro era um sonho antigo. Quando comecei a ministrar oficinas de pães e confeitaria, vi o quanto as pessoas estavam sedentas por aprende, alguns por hobby, outros buscando um novo caminho profissional.

Tenho orgulho de quem passou pelas oficinas e, “mordido pelo bichinho da farinha”, hoje trilha lindamente na profissão. Isso me motivou a registrar minha história, para incentivar quem tem medo de empreender, quem não se acha capaz ou vive esperando “o momento certo”.

Escrever sempre foi prazeroso para mim. Desde os cadernos de poesia da infância. O primeiro capítulo escrevi em um único dia, tamanha a sede. Escrever é mágico: memórias vêm à tona, você ri, chora, é terapêutico e transformador. E, dependendo do contexto, deixa um legado.

Quais técnicas ou ingredientes considera indispensáveis para manter a autenticidade da produção?

Pré-pesagem rigorosa. Começa tudo pela ficha técnica correta. Fermento natural de qualidade, controlado para uma boa fermentação lenta. Farinha de trigo de boa qualidade, que suporte fermentações longas (para pães de longa fermentação), temos ótimas farinhas nacionais que com técnica perfeita dá excelentes resultados com baixo custo.

Controle de temperatura da massa, essencial no nosso clima quente. Uso de água filtrada e gelada. Não utilizar aditivos químicos “milagrosos”. Com boa farinha e técnica, você faz o melhor pão do mundo.

Padronização de massa, recheios e sabor. O cliente volta pelo que o encantou. Não se deve decepcioná-lo.

No fim do ano, a panificação se destaca. Qual a importância desse período para você?

Natal e Páscoa são épocas muito especiais. Se você tem um bom produto, a venda é certa. Tenho orgulho de ter sido pioneira em Fortaleza com panetones trufados, decorados, salgados e com sabores exóticos. Acho que foi o produto que mais fiz na vida e a procura é uma loucura!

O que será oferecido neste fim de ano?

Neste fim de ano, o cardápio chega mais compacto, mas cheio de sabor: panetones de chocolate e de frutas, bolo-rei e o já esperado panetone de bacalhau. A redução das opções tem um motivo especial, estamos em fase de mudança.

E as novidades não param por aí. No primeiro trimestre do próximo ano, eu e minha parceira de trabalho, Elisa Lombard Branco, damos início a um novo projeto: uma casa totalmente renovada em Fortaleza, pensada para receber cursos semanais em um ambiente intimista, perfeito para aprender, tomar um bom café e aproveitar outras delícias.

Olhando sua trajetória, do que mais sente orgulho? Quais momentos te marcaram na panificação?

Meu maior orgulho é ter inspirado tantas pessoas em Fortaleza e no Brasil. As consultorias que fiz para o Moinho M. Dias Branco, em feiras e padarias pelo país, permitiram que meu conhecimento alcançasse muita gente.

Me emociono quando alguém diz que está trabalhando com panificação, que está feliz, que as receitas dos cursos estão bombando. Isso floresce em mim!

Momentos marcantes não faltam: ser premiada como Melhor Padeira do Nordeste pela Revista Panificação Brasileira, em Recife. Premiações nacionais consecutivas em São Paulo.

Meu pão de jerimum com carne de sol e rapadura ser capa da Revista Prazeres da Mesa, por votação. Minha primeira viagem de muitas à França para a feira Europain, onde me emocionei muito. Ali vi pães que eu já fazia só por instinto. Se existirem outras vidas, acho que fui francesa e padeira.

O que gosta de fazer no tempo livre?

Sou eclética. Gosto de muitas coisas ao mesmo tempo. Em casa, ouço música quase o dia todo. Sempre invento algo para fazer. Leio, organizo a casa, e às vezes “perturbo” o noivo para conversar.

Como podem ser feitas as encomendas?

As encomendas são feitas pelo WhatsApp, onde disponibilizo o cardápio. O contato é o (85) 99296-9078.

Pitadas de Neiva

Foto: Arquivo pessoal.

O que não pode faltar na sua cozinha?
Um bom vinho e música. Com esse combo, tudo fica mais gostoso, eu também cozinho com mais amor pros meus.

Qual receita de família é marcante para você? De quem é?
Mantecal, aquele biscoito de banha, farinha, açúcar e goiabada que derrete na boca. Memória afetiva total! Minha nona Rosa fazia com minhas tias e deixava latas e mais latas cheias. Eu lembro até do cheirinho.

Uma música para ouvir cozinhando?
Só uma? Impossível! Mas, para um domingão animado: Beggin’ – Måneskin.

Livro predileto?
Quando Nietzsche Chorou. Uma indicação para ler em várias fases da vida.

Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
Fortaleza hoje é uma festa de sabores. O “Boomm” gastronômico dos últimos 15 anos foi lindo de ver. Mas meu coração? É do cuscuz. Troco qualquer iguaria pela manhã, por um cuscuz com queijo coalho bem quentinho e um cafezinho coado.

Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
Sou festeira assumida! Me acha onde tiver natureza, música, alegria, risada boa, amigos e aquele vinhozinho ou uma cervejinha gelada para brindar o dom da vida!

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