
A bartender Luiza Bandeira tem uma trajetória intimamente ligada ao universo gastronômico. Sua jornada na área começou logo após a saída da escola, com o ingresso na faculdade de Gastronomia, um campo que sempre a fascinou pela mistura de arte e técnica, desde quando acompanhava programas culinários da TV.
A paixão pela coquetelaria logo veio. Ela surgiu durante a graduação, especificamente na disciplina de sala e bar. Após essa descoberta, Luiza passou a buscar cursos e a se aprofundar no mundo das bebidas, transferindo seu desejo de criar e experimentar, antes focado na cozinha, para a mixologia.
Vencedora do prêmio Melhores Sabores da Cidade 2025 na categoria Bartender, Luiza utiliza o conhecimento adquirido na gastronomia para complementar a criação de drinks. Com uma abordagem espontânea na criação de bebidas autorais, suas ideias de combinações e aromas surgem em momentos do dia a dia.
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A busca pela inovação é constante, especialmente no uso de novas técnicas e no reaproveitamento de ingredientes. A profissional adota uma política de sustentabilidade no Muá Tuá Bistrot, transformando cascas ou outros insumos que seriam descartados em xaropes, bitters ou garnishes diferenciados.
Sua carreira é marcada por passagens em diversos estabelecimentos importantes. Ela trabalhou em locais como o O Mar Menino, onde aprendeu a respeitar os ingredientes locais, e o Mangue Azul, onde se aprofundou em coquetelaria clássica e técnicas refinadas. Seu primeiro prêmio de Melhor Bartender foi conquistado durante sua passagem pelo Zelig Drink Bar.
Em certo momento, após uma grande perda na família, Luiza pensou em deixar a profissão. No entanto, após o convite da chef Geórgia Santiago para atuar no Muá Tuá, sua paixão foi reacendida.
Ao Sabores da Cidade, Luiza contou detalhes da sua trajetória, por onde trabalhou e os aprendizados colhidos no caminho, além de compartilhar seu processo criativo para dar vida a novas bebidas. Leia a entrevista completa abaixo.
Sabores da Cidade: Luiza, como você iniciou no mundo dos drinks? O que fazia antes e o que te motivou a entrar nessa área?
Luiza Bandeira: Eu acho que nunca pensei em fazer outra coisa, sabe? Assim que saí da escola, já fui direto para a faculdade de Gastronomia. Nunca me passou pela cabeça seguir outro caminho, eu sempre achei incrível o universo da cozinha, as técnicas, as cores, o processo todo.
Mesmo não cozinhando tanto em casa, eu adorava assistir programas de culinária e ficava fascinada com aquela mistura de arte, técnica e o ato de cozinhar para quem a gente ama. Mas foi na faculdade que tudo mudou. Uma das primeiras disciplinas era de sala e bar, e a gente teve algumas aulas de coquetelaria. Foi o suficiente para eu me apaixonar completamente por esse mundo das bebidas.
Depois disso, comecei a buscar cursos e me aprofundar cada vez mais. Acho que acabei transferindo toda aquela vontade de criar e experimentar da cozinha para os drinks. E nunca deixei de lado o que aprendi na gastronomia, até hoje uso muita coisa da cozinha na coquetelaria. No fim das contas, uma coisa acabou complementando a outra.
Como é o processo de criar bebidas autorais? Em que ponto você percebe que o drink ficou ideal?
Bom, o processo de criar bebidas autorais é bem espontâneo para mim. Às vezes, as ideias surgem do nada, tipo, quando estou tentando dormir, limpando a casa, ou fazendo qualquer coisa banal, e de repente os ingredientes aparecem na minha cabeça.
Já penso em combinações, aromas, aí corro para anotar tudo no bloco de notas antes que esqueça. Depois, começo a pesquisar sobre os insumos, principalmente se é algo que eu ainda não conheço tão bem. Gosto de entender o sabor, as notas, e ver como posso aproximar aquilo do meu universo, das frutas que eu costumo usar, dos destilados que tenho disponível, a partir daí, vou ajustando e criando.
Tenho alguns insumos e bebidas em casa, então sempre que dá eu faço testes. Já tenho um padrão de medidas na cabeça que me ajuda a aproveitar melhor os ingredientes e a ajustar os sabores com mais precisão.
Quando o resultado está bem próximo do que imaginei, gosto de chamar o pessoal com quem trabalho para provar. Acho que o drink fica ideal quando ele atinge o equilíbrio que eu imaginei: se a proposta era ser mais ácido, mais frutado ou até salgado, e ele entrega exatamente aquilo. Aí eu sei que acertei. E, claro, quando todo mundo prova e realmente gosta, é o sinal de que o drink chegou onde precisava.

Você busca inovar na criação de drinks? Como?
Sim, eu sempre busco inovar, principalmente nas técnicas e no reaproveitamento de ingredientes. Acho que a inovação não está só em criar algo completamente novo, mas em olhar de outro jeito para o que a gente já tem.
Lá no Muá Tuá, a gente tem uma política muito forte de sustentabilidade, separamos nossos resíduos e buscamos reduzir ao máximo as perdas. Então, sempre que posso, tento pensar em formas de reaproveitar frutas, cascas ou outros insumos dentro dos drinks.
Às vezes, um ingrediente que iria para o lixo pode virar um xarope, um bitter ou até um garnish diferente. Para mim, inovar é isso: unir técnica, criatividade e consciência para criar algo que faça sentido e ainda surpreenda no copo.
Como você se mantém atualizada sobre as novidades do mundo da coquetelaria?
Hoje em dia, a internet é uma das melhores formas de se manter atualizada sobre praticamente tudo e com a coquetelaria não é diferente. Acho incrível como ela aproximou o mundo das bebidas, permitindo que a gente conheça produtos, técnicas e estilos que muitas vezes nem chegam por aqui.
Tem muita gente produzindo conteúdo de qualidade, fazendo vídeos, análises e até reagindo a drinks de outros bartenders, explicando detalhes de sabor e preparo e isso ajuda demais a ampliar o olhar. Além disso, eu também tenho muitos amigos e colegas na área, e a troca entre a gente é constante. Gosto de aprender com as experiências deles, testar novas ideias juntos e trocar referências.
Acho que se manter atualizada é um pouco disso: estar sempre aberta a aprender, observar o que está acontecendo ao redor e compartilhar conhecimento também.
Você venceu o prêmio Melhores Sabores da Cidade 2025 na sua categoria. O que isso representa para você?
Essa é uma pergunta um pouco difícil para mim, porque esse prêmio tem um significado muito pessoal. A primeira vez que ganhei como melhor bartender pelo Sabores da Cidade foi em 2022, num momento bem delicado. Eu tinha acabado de perder minha avó e comecei a repensar muita coisa sobre a profissão.
A gente que trabalha com bares e restaurantes acaba se doando muito, e eu comecei a refletir sobre os momentos que perdia, sobre as pessoas que já não estavam mais por perto. Naquela época, eu cheguei até a pensar em me afastar da coquetelaria, meio que “me aposentar” como bartender. Mas não consegui.
Um tempo depois, a Geórgia me convidou para participar do Muá Tuá, e isso reacendeu completamente minha paixão. Comecei fazendo a carta da casa, depois fui ficando mais presente, conciliando com a faculdade e outra profissão que iniciei.
Ser indicada novamente agora, e ainda por cima ganhar o prêmio de 2025, foi muito especial. É uma sensação de reconhecimento enorme, sabe? De perceber que clientes, amigos e pessoas com quem trabalhei ainda acreditam no meu trabalho, torcem e confiam em mim. Acho que, mais do que um prêmio, é uma confirmação de que estou fazendo o que amo, com verdade e dedicação.
Se tivesse que escolher um coquetel para representar a sua personalidade, qual seria e por quê?
Se eu fosse um coquetel, acho que seria um New York Sour. Ele tem uma acidez marcante, mas que logo é suavizada por um dulçor equilibrado. O bourbon traz uma elegância sutil, e o toque final do vinho tinto adiciona um leve amargor que completa tudo com harmonia. Acho que combina muito comigo: uma mistura de intensidade, equilíbrio e personalidade.

Quais os principais desafios enfrentados por você nesse ramo?
Além de ser mulher em uma profissão que ainda carrega muito machismo, acho que o maior desafio nesse ramo são as próprias condições de trabalho em bares e restaurantes. Muitas vezes enfrentamos jornadas longas, oportunidades limitadas de crescimento e salários que não refletem o esforço e a dedicação da profissão.
Conta um pouco sobre cada lugar por onde você já trabalhou.
Comecei minha carreira no bar de uma hamburgueria, mas inicialmente trabalhava no atendimento. Depois fui para o bar, onde fazia coquetéis simples: caipirinhas e caipiroskas, servia doses e fazia milk-shakes. Foi o começo de tudo e onde aprendi o básico de um serviço.
Depois fui trabalhar no Rosa Celeste com o Marco Gil, e de lá fui indicada para o O Mar Menino, onde trabalhei por mais de um ano. Foi lá que conheci o Marcelo, um bartender incrível, que me ensinou muito sobre respeitar os ingredientes locais e aproveitar ao máximo o frescor das frutas da nossa região.
Grande parte da minha bagagem de criação de drinks autorais vem desse período, aprendendo a extrair o melhor daquilo que a nossa terra oferece. Depois, mais uma vez fui chamada pelo Marco Gil para inaugurar o Mangue Azul, sob a assessoria da Adriana Pino, campeã nacional do World Class Brasil. Lá tive a oportunidade de crescer ainda mais, aprendendo sobre coquetelaria clássica, técnicas refinadas e trabalhando pela primeira vez em um restaurante de alto padrão.
Meu sonho sempre foi trabalhar em um dos melhores bares da cidade, na época, o Zelig Drink Bar, onde passei um bom tempo me aprimorando e foi onde ganhei meu primeiro prêmio de Melhor Bartender.
Após um breve período pensando em me afastar, acabei retornando e hoje trabalho no Muá Tuá Bistrot, graças à confiança da Geórgia, que me acompanha desde O Mar Menino. Foi lá também que conquistei novamente o prêmio de Melhor Bartender em 2025, e se você aparecer por lá, posso estar no atendimento te explicando e te indicando os melhores vinhos naturais ou convencionais, ou posso estar dentro do bar fazendo teu drink, e fico muito feliz de estar lá quase diariamente contribuindo e compartilhando meu trabalho com tantas pessoas que gostam do que faço.
Qual drink você já desenvolveu e é uma criação especial? E por quê?
Acho que o drink mais especial que já criei foi um dos meus primeiros, chamado Amélia. Foi quando fui convidada para um Guest no Zelig Drink Bar, e na época eu trabalhava no O Mar Menino, era bem nova e iniciante na área.
Tive a oportunidade de criar esse drink especialmente para o evento e até hoje continuo fazendo ele. O mais legal é que muitas pessoas ainda chegam no balcão pedindo o Amélia, o que me faz sentir que ele realmente marcou tanto a mim quanto a quem já provou. É um drink que tem muito significado pessoal e profissional, e é uma das minhas criações que mais me orgulho.
Serviço
Muá Tuá Bistrot
Instagram: @muatuabistrot
Endereço: R. Torres Câmara, 600 – Casa 21
Funcionamento: Segunda-feira e de quarta-feira a sábado, das 18h às 23h