Crônica: Vivências na Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú (Itapipoca – Ceará)

Italo Borges

Por Italo Borges
Especial para o Sabores da Cidade

Essa vivência imersiva na cultura do Povo Indígena Tremembé da Barra do Mundaú me faz refletir acerca da premente necessidade de conhecermos e estarmos conectados à nossa gênese. Os povos originários carregam uma herança, que é nossa, e precisa ser conhecida para ser preservada. As danças, rituais, alimentos e modos de preparo são repletos de saberes que nos mostram o quanto, como eles mesmo dizem, nossa Mãe Terra nos dá e, para isso, basta que a respeitemos e compreendamos seus ciclos.

Chegamos de manhã cedo sentindo a acolhida do café servido ao ar livre com “biju” – como chamam a tapioca mais grossa -, batata doce de uma cor alaranjada repleta de sabor e suculência e balaios cheios de seriguelas nos dando boas vindas. Num clima de grande reunião familiar as pessoas se encontravam, cumprimentavam e conversavam. Enquanto crianças correm no terreiro, alguns visitantes ainda acordavam, ouvi relatos que na noite anterior as festividades foram até 4h da manhã.

Após o farto café ouço o anúncio de um ritual de batizado que se realizaria dentro de alguns instantes e todos estariam convidados a participar desse momento. Todavia, seria necessário enfrentar uma, não tão modesta, trilha entre mata nativa, baixas íngremes e mangue para que chegássemos à nascente dos encantados, assim o Povo Tremembé denomina um córrego de água pura e cristalina. Nascente esta em que todo visitante batizado em suas águas passa a ser recebido como tremembé, ficando imbuído da missão de “lutar pra vencer” diante das constantes e severas ameaças que os povos originários estão submetidos pelo simples fatos de ocuparem suas terras e serem quem são. Os detalhes dessa vivência mística e transcendente, caro leitor, peço que deixemos sob o véu dos encantados para que cada um construa a sua própria iniciação, quando da visita ao Povo Tremembé.

Ao retornamos da nascente , o sol forte já se apresentava como que a nos avisar que a próxima atividade poderia ser um típico almoço. Eis que pudemos sentir o tempero Tremembé em uma moqueca de arraia com baião e farofa que, particularmente, me transportou para lembranças de uma infância repleta de fogão à lenha e sabores caboclos entre o sertão e o mar.

O trabalho coletivo e a consciência comunitária norteavam todas as atividades que envolviam as quatro aldeias que formam o Povo Tremembé da Barra do Mundaú, desde o preparo dos alimentos até a lavagem dos utensílios, mas a valorização e protagonismo dos “troncos velhos” e “sementes”, como eles denominam os anciãos e crianças me chamou especial atenção. Afinal, na atual conjuntura pós moderna essa integração inter geracional tem muito a nos ensinar acerca da essência e dos ciclos da vida.

Nessa XI festa do Murici e Batiputá pude perceber que o legado do Povo Tremembé transcende a alegria festiva da colheita e nos revela a gratidão da e pela existência.

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