Por Christian Melo e Omar Jacob*
Especial para o Sabores da Cidade
Era dia 1º de novembro de 2016. Pontualmente, às 6h da manhã o despertador tocou. Semanas antes já tínhamos ligado para o restaurante e fomos informados de que só era possível fazer uma reserva para o Osteria Francescana pelo site, precisamente para aquele primeiro dia de novembro. Já havíamos programado passar o carnaval entre a Toscana e o norte da Itália, mas aquele jantar, na noite que antecederia nossa partida, deveria ser a “cereja do bolo”.
Pontualmente no horário em que as reservas eram disponibilizadas no site, entramos na página do restaurante, mas provavelmente pelo tráfego intenso de pessoas, não conseguimos fazer a reserva. Duas horas depois, finalmente conseguimos o acesso e, sem muita surpresa, descobrimos que todas as mesas para almoço e jantar estavam esgotadas para todo o período de nossa viagem (e para qualquer outra data também!).
Só nos restava uma chance: colocar o nome na lista de espera. Mesmo sem muitas esperanças, resolvemos fazê-lo. Digo “sem muitas esperanças” por algumas razões: primeiro pelo fato de não termos flexibilidade, depois porque a data pretendida era uma sexta-feira e, finalmente, porque se tratava do Osteria Francescana, casa do chef Massimo Bottura, recentemente alçada à 1ª posição do ranking da “The World’s Best Restaurants” uma das mais prestigiada publicação do mundo no segmento da gastronomia.
Para completar, Massimo Bottura não deixou suas três estrelas Michelin inflacionarem, de forma descomunal, os valores da carta de seu restaurante como acontece com muitos outros estabelecimentos do mundo. O tempo passou e uma semana antes da viagem, nenhuma notícia sobre a reserva. Como que num último “sopro de esperança”, no final de semana anterior ao nosso embarque, decidimos fazer uma nova ligação para o restaurante. Para nossa grata surpresa, fomos informados que uma reserva havia sido cancelada naquela manhã e que, por isso, eles poderiam confirmar a nossa. Agora era só aguardar pelo tão esperado dia.
No dia 3 de março, pouco mais de quatro meses depois daquele dia em que o despertador tocou mais cedo, estávamos embarcando no trem que nos levaria de Bolonha à Modena, a tempo de chegarmos antes das 20h, hora em que pontualmente o restaurante abre suas portas para o único serviço da noite para poucos sortudos (ou perseverantes!).
Chegamos ao número 22 da Via Stella, uns 10 minutos antes do horário e um grupo de pessoas já se confraternizavam animadamente à porta do restaurante enquanto se revezavam para tirar fotos diante da minúscula placa dourada que identifica o local. Eram poucas pessoas, mas um universo bastante representativo: gente de todo o mundo – Estados Unidos, Índia, Portugal, Austrália e, claro, nós que tínhamos a honra de representar o Brasil naquela noite.
No horário marcado, as portas foram abertas. A recepção inicial foi apenas o começo do encantamento por cada detalhe da noite. O restaurante tem decoração extremamente minimalista e é formado por diversas salas, nas quais pouquíssimas pessoas são servidas. Na que ficamos, éramos apenas nós e mais 3 mesas de 2 pessoas cada. Antes de chegar até ela, cada canto já nos parecia familiar: havíamos lido e assistido a tudo que falava do local e sobre o homem que revolucionou a tradicional culinária italiana e transformou uma antiga casa, sem qualquer prestígio, no restaurante número 1 do mundo. Devidamente acomodados, era hora de começar o show!
Cumpridas as devidas formalidades (sem qualquer excesso comum aos estabelecimentos dessa categoria), fomos apresentados ao cardápio. São três opções de serviço: à la carte, um menu de época (com cerca de 10 passos – 220 euros) e um menu tradicional, com 14 passos (250 euros), que contempla todas as mais famosas criações do Chef: ambos com opção de harmonização. Optamos pelo último e mais completo, mas decidimos escolher a nossa própria bebida.
A carta de vinhos é um capítulo à parte: encadernada em forma de brochura, traz nas duas primeiras páginas um criterioso índice para as mais de 200 outras páginas que são apresentadas a seguir. Não me arriscaria a dizer quantos rótulos estão disponíveis na casa: escolhemos um e estávamos prontos para embarcar na viagem que Massimo e sua equipe nos levaria.
Como em qualquer restaurante desta categoria, cada prato, cada serviço, cada complemento, cada louça é apresentado como aquilo que verdadeiramente o é: uma obra de arte! Alguns, pelas razões já explicadas, eram velhos conhecidos: pratos como o “Cinco idades do Parmigiano Reggiano em diferentes texturas e temperaturas” feito exclusivamente com o queijo que é um ícone da culinária local.
E o “Oops! Eu quebrei a torta de limão”, obra de um sous-chef desastrado que deixou cair e quebrar na louça do serviço a última das tortas de limão a ser servida numa determinada noite, criando, por acaso, uma dos mais emblemáticos pratos assinados por Massimo. Outros eram completa novidade e passamos a conhecer naquele dia. Em comum entre eles, apenas uma combinação de aromas, sabores, texturas, temperaturas e cores que aguçavam, agradavam e surpreendia todos os sentidos.
Massimo Bottura é genial exatamente pelo motivo que o tornou tão controverso e criticado no começo de sua empreitada no comando do Osteria Francescana. Apropriando-se da tradição, ele revolucionou a cozinha das mammas e das nonnas sem perder de vista esses ensinamentos de gerações. No Osteria, nada é o que parece: um caldo com passatelli tem sabor de pizza (Passatelli como pizza), o tradicional tiramisú ganhou o nome de Tiramizucca, com abóbora na sua composição e por aí vai. Impossível apenas é descrever a explosão de sabores de cada combinação. Ou mesmo dizer qual foi o melhor ou mais surpreendente. Um único fato: absolutamente nenhum decepciona!
As pequenas porções servidas de cada um enganam e ao final de quase quatro horas de serviço absolutamente impecável e imperceptível você sai com o corpo e alma totalmente alimentados e com a sensação de que aquela noite poderia ter durado mais.
Mas, como na história da Cinderela, o relógio já marcava quase meia-noite e era hora de correr para a estação para pegar o último trem da noite de volta à Bolonha e à realidade. Igualmente o encanto não se acabou: como o “sapato de cristal” nossas memórias ficaram naquele lugar mágico, naquela noite, sem saber se um dia iremos voltar. O que nos conforta é saber que contos de fada sempre têm finais felizes!
*Os autores: Christian Melo é economista e Omar Jacob é jornalista. Ambos nutrem duas grandes paixões: viajar e comer bem. Já passaram por muitos lugares do mundo e por muitas cozinhas respeitadas. No dia 3 de março, visitaram o Osteria Francescana, em Módena.
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