Chef Lorena Machado: “Não consigo pensar em uma forma mais genuína de trabalhar”

Gingado restaurante faz dois anos em 2025 sob o comando da Chef Lorena Machado na cozinha

Chef Lorena Machado (Foto: Reprodução/Redes sociais)

Na cena gastronômica de Fortaleza, o restaurante Gingado se destaca, não apenas pela sua cozinha e as combinações que saem dela, mas também devido à trajetória da chef Lorena Machado. O estabelecimento completa dois anos em 2025, marcado pelo carinho do público, verificado pelas indicações na premiação Melhores Sabores da Cidade, em 2023 e 2024.

O restaurante combina os conceitos de bistrô com gastronomia, conhecido como “Bistronomia”. Lorena esclarece que é “um conceito sobre comida de alta qualidade, bons ingredientes e técnicas, mas com um formato mais despojado e informal”.

A chef decidiu investir na gastronomia quando percebeu que gostaria de trabalhar com algo em que pudesse experimentar a criatividade. Essa característica a motiva, mas não a prende.

“Sobre a criatividade e a sua manutenção, mudei muito a minha forma de lidar com a pressão de ser sempre criativa (…) Eu prefiro não me colocar nessa posição de me tornar obsessiva com o trabalho para que ele continue sendo algo querido por mim”, explicou.

Em conversa com a redação do Sabores da Cidade, a chef Lorena compartilhou os desafios e os seus aprendizados, ao longo da vida profissional e, especialmente, nestes quase dois anos de Gingado, além de partilhar quem é Lorena Machado quando não está na cozinha.

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Sabores da Cidade: Lorena, como a gastronomia entrou na sua vida? Você sempre soube que queria seguir essa carreira ou foi algo que surgiu ao longo do tempo?

Lorena: Para ser sincera, a intimidade com o ato de se alimentar sempre foi algo muito presente na minha vida. Então, eu não sei dizer com exatidão quando comecei o hábito de cozinhar, porque lembro disso fazer parte da minha infância inteira, mas, de fato, comecei a enxergar como profissão quando entendi que gostaria de trabalhar com algo que eu pudesse me exprimir de forma criativa.

Com isso, aos 17 anos prestei vestibular e o curso de gastronomia já fazia parte da Universidade Federal do Ceará (UFC). Como também sempre tive desejo em estudar na UFC, juntei dois sonhos em um só e, enfim, deu tudo certo, me formei e segui carreira de cozinheira profissional.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo da sua jornada na cozinha?

Acredito que os relacionamentos interpessoais dentro de restaurantes é algo importante a se pontuar, já que naturalmente por ser, em grande parte, um ambiente insalubre e hostil, as questões sociais se tornam muito mais intensas e vívidas. Esse sempre foi o desafio que me fez repensar inúmeras vezes se, de fato, eu gostaria de dar continuidade a carreira. 

Hoje, por ter a oportunidade de fazer diferente, sinto que construo, cada vez mais, um ambiente seguro emocionalmente para quem trabalha conosco. Então, os desafios se tornam outros, como empreender equilibrando todas as balanças.

“Eu prefiro não me colocar nessa posição de me tornar obsessiva com o trabalho para que ele continue sendo algo querido por mim. Dessa forma, vou desenhando novos pratos e novas mordidas, respeitando o tempo.”

Muitos consideram a cozinha um ambiente de alta pressão. Como você lida com essa tensão e como consegue manter a criatividade no auge durante os períodos mais intensos?

A cozinha é um ambiente de alta pressão, porque estamos sempre trabalhando contra o tempo. E, convenhamos, o tempo está sempre passando. Então, não consigo imaginar uma cozinha sem pressão. Acredito que para lidar com isso, você precisa encontrar conforto e diversão nesse lugar. Sem romantizar, a adrenalina da cozinha te faz esquecer tudo e, no fim, você tem acesso a algo como a endorfina. Talvez seja isso que nos faz querer lidar com essa pressão. Esse ‘pós’ é quase como o prazer de correr uma maratona e atravessar a linha de chegada, acredito eu.

Sobre a criatividade e a sua manutenção, mudei muito a minha forma de lidar com a pressão de ser sempre criativa. Penso que para eu tirar um prato do menu, preciso, obrigatoriamente, fazer algo melhor. E compreendo que sou um ser humano cheio de limitações. Então, nesse lugar, eu prefiro não me colocar nessa posição de me tornar obsessiva com o trabalho para que ele continue sendo algo querido por mim. Dessa forma, vou desenhando novos pratos e novas mordidas respeitando o tempo. 

Você tem alguma influência ou inspiração de chefs ou de culinárias específicas? Como essas referências aparecem no seu trabalho?

Não sou uma pessoa muito apegada a cozinhas específicas ou personalidades. Me coloco mais na posição de poder aprender tudo o que me interessa e, de forma geral, me interesso por comida. Eu sempre cozinhei, porque sempre gostei de comer. Então, minhas referências são os sabores, as texturas, as cores, os cheiros, enfim. Sei que é uma resposta vaga, mas quando busco aquilo que me inspira, encontro muitas culturas diferentes entre si e não sou capaz de escolher uma única.

Em sua opinião, o que caracteriza um prato realmente inesquecível? Quais elementos você acredita que tornam a comida especial para quem a experimenta?

A construção da mordida é algo que pra mim sempre me impressiona mais do que qualquer outra coisa. E, para isso, é necessário saber comer. Sempre digo que o melhor cozinheiro é aquele que sente um imenso prazer em comer.

É sobre compreender a necessidade que a mordida tem. Quanto aos sabores, temos acidez, amargor, dulçor, salinidade e umami (termo originário do Japão que significa “saboroso”). Todos esses elementos podem ser usados ou não, depende do que o prato pede.

Simultaneamente, temos as texturas. Essas, confesso que não consigo listar, já que podemos fazer milhares de produtos diferentes com um único ingrediente, usando técnicas diversas. Por fim, acredito que a mordida inesquecível é aquela que foi exprimida por alguém que compreendeu o ato de comer e ousou cozinhar. 

Chef Lorena Machado (Foto: Reprodução/Redes sociais)
Sua cozinha tem uma proposta ou filosofia específica? Se sim, qual é ela e como você a aplica nos pratos que cria?

Para além da filosofia, a proposta do Gingado é o que na Europa chamam de “bistronomy”. O nome é uma junção de Bistrô com Gastronomia e traz um conceito sobre comida de alta qualidade, bons ingredientes e técnicas, mas com um formato mais despojado e informal.

A filosofia da minha cozinha é servir aquilo que eu gostaria que me servissem. É simples, mas requer muita disciplina mental para conseguir replicar esse gesto todos os dias e em todos os serviços. Cozinhar em restaurante é muito diferente do que cozinhar em casa. Precisamos ser extremamente detalhistas para que isso seja possível.

A aplicação dessa filosofia se torna difícil pela repetição, mas desenvolvê-la acaba sendo a parte mais prazerosa do trabalho, já que servimos aquilo que gostamos! 

Lorena Machado (Foto: Arquivo pessoal)
Quem é a chef Lorena fora da cozinha? Como você se descreve e o que gosta de fazer?

Engraçado pensar sobre isso, porque embora eu busque sair do ambiente de trabalho, sempre me encontro reproduzindo esse espaço mental de estar envolvida com alimento.

Além de ser comprometida com a minha saúde, seja ela física ou mental, uso parte do meu tempo para atividade física e terapia, mas quando penso em me divertir, sempre penso em comida. Sei exatamente de onde vem isso, porque os momentos mais felizes da minha infância sempre foram associados ao momento de partilhar uma refeição.

Esse momento não é exclusivamente sobre alimentar o corpo, mas também a alma, já que, no geral, compartilhamos com quem amamos, fazendo o momento ser sobre as pessoas. Afinal, a comida deixa de ser o grande foco, mas ela está sempre lá.

Pessoalmente, pareço ser extrovertida por não ser tímida, mas sou uma pessoa introspectiva e isso faz com que eu goste muito da solitude também. Além disso, confesso que adoro mergulhar em uma boa série com 10 temporadas, pelo menos! Sou dessas que gosta de histórias dramáticas, longas e cheias de camadas. 

O Gingado está caminhando para completar 2 anos. Como tem sido comandar essa cozinha que tem sido tão bem recebida pelo público?

O Gingado está longe de ser perfeito, mas confesso que nunca fui tão feliz profissionalmente como sou. A aceitabilidade do público é indiscutível para que eu me sinta assim, mas sei que vai muito além disso, as pessoas frutificam um carinho imenso por nós. Digo nós, porque não é só sobre mim, mas também sobre as pessoas que trabalham conosco. Bom, me sinto segura e confortável em me exprimir e ser quem sou. Não consigo pensar em uma forma mais genuína de trabalhar. É sobre o simples prazer de ser quem se é.

Tenho meus desafios e nem todos os dias são fáceis. Empreender não é nada fácil e requer muita disciplina, coragem, força de vontade e resiliência, mas sou agradecida e feliz com a oportunidade que tenho na vida de ser a voz do Gingado.

Curiosidade – Se você tivesse que preparar um prato para uma personalidade famosa/ muito especial, quem seria essa pessoa e qual seria o prato? E por quê?

Confesso que sinto dificuldade em pensar em uma única personalidade que eu gostaria de cozinhar. Temos uma infinidade de artistas, músicos e pessoas tão imensuráveis culturalmente no Brasil que me parece ser injusta essa escolha. Mas, se eu for pensar em uma única pessoa, mesmo sabendo que talvez não seja a resposta mais interessante de se dar em uma entrevista, só me vem à cabeça o presidente Lula e, se possível, nossa primeira-dama Janja. Muita audácia imaginar que seria provável? Talvez! Mas sonhar é uma das melhores partes da vida.

Não sei se serviria exatamente isso, mas a probabilidade de servir carneiro, cuscuz e bastante coentro seria enorme. Como cozinheira profissional, entendo que faz parte da minha caminhada elevar a vida que vivi e a cultura que me criou, principalmente em momentos de grande significância, já que foi isso que me fez chegar até aqui. Seria uma demonstração de agradecimento e honra a quem veio antes de mim. 

Lorena Machado (Foto: Arquivo pessoal)
Por fim, para quem está começando na gastronomia e tem o sonho de se tornar chef, quais conselhos você daria para quem deseja seguir a profissão?

Essa pergunta é sempre difícil de responder, porque acredito que a maioria das pessoas prefiram respostas mais exatas. Mas, sinceramente, meus conselhos são sobre fazer boas escolhas para a vida. Se puder escolher, escolha o lugar que você quer trabalhar levando em consideração o nível técnico e o perfil de cozinha.

Além disso, tenha bons hábitos de saúde física e mental. O mais difícil da cozinha não é cozinhar. O mais difícil da cozinha é ter resistência e sem saúde, ninguém é resistente. Saiba os seus limites e os respeite. Seja atento, busque se desenvolver e entenda que você sempre vai conseguir aprender algo novo com todo mundo, inclusive com aquelas pessoas que têm menos experiência que você. E, por último, mas não menos importante, é necessário ter paciência com o tempo. Só o tempo vai te dar a chance de você se tornar quem você deseja ser. 

Gingado: Rua Eduardo Garcia, 201, Aldeota (Fortaleza - Ceará) - @gingadorestaurante

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