
Zenilda Bezerra, a Zena, chegou a Fortaleza ainda muito jovem. Natural de Cipó dos Anjos, no interior de Quixadá, ela é dona do restaurante que leva seu nome e que conquistou, ao longo dos 56 anos recém completados, o coração dos fortalezenses.
Uma mulher no auge da vivacidade dos seus 78 anos, que iniciou muito cedo no mundo do trabalho e que, ainda na adolescência, se aventurou nas ruas da capital cearense para vender comida. Ela começou a trabalhar com comida junto de sua mãe e, mais tarde, com sua grande amiga Francisca, a quem dedica parte do sucesso do restaurante, além de destacar o papel dessa amizade para a sua vida.
Francisca é parte de Zena. Em sua homenagem, a empreendedora batizou um dos espaços do restaurante como “Beco da Xica”. Mas não é apenas no ambiente físico que a lembrança da amiga habita. No coração de Zena, Chica ainda faz morada.
Em uma viagem às memórias do passado, no lugar onde tudo começou, um pequeno espaço que fica do outro lado da rua em que seu restaurante se localiza, Zena relembra como desejou a casa em que mantém o seu negócio hoje. De lá para cá, muitas foram as conquistas, mas não foram poucos os desafios.
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E falando em coração, o de Zena se emociona fácil. Os sorrisos frouxos e a simpatia envolvem cada cliente que chega na casa. Os fregueses fiéis batem ponto no estabelecimento, especialmente para ter o popular “bolinho de carne”, que já ganhou, em 2012, o prêmio Comida di Buteco.

Premiada, ela acumula reconhecimentos e títulos. No prêmio “Melhores Sabores da Cidade”, a empreendedora recebeu inúmeras indicações, como na então categoria “Nordeste no Prato”, em 2016, e também “A cara de Fortaleza”, em 2023.
Personalidade marcante, sua história foi contada e ouvida por muitos. Ao sabores da Cidade, Zena é a interlocutora da sua trajetória e compartilha como tudo começou, os percalços enfrentados, além de ressaltar suas amizades, conquistas e vivências. Confira a entrevista completa abaixo.
Sabores da Cidade: Como foi que a senhora começou a cozinhar? Aprendeu com alguém da família?
Zena: A minha mãe. Primeiro a gente não tinha condições de botar ninguém para trabalhar. Há 56 anos eu conheci essa pessoa (Francisca). Ela quem foi a chefe mesmo de fazer tudo.
Ela foi uma pessoa que apareceu na minha vida. Tem gente que que você conhece, outras Deus te apresenta, né? Eu acho que a Francisca vai ficar para toda a vida. Uma pessoa muito boa na minha vida, mais do que minha família.
Foi tudo, tudo, sem eu poder pagar ela ficava e trabalhava Semana Santa de noite, noite e dia, porque eu era irmã de família. Eu era mais velha de sete filhos e eu que sustentava a família.
Conhecia a Francisca aqui. Ela é da Acaraú. Começou aqui, n° 538, aqui em frente.
Eu fui juntando a mixaria e segurando, vestindo roupa de propaganda para mim comprar, até que eu consegui comprar essa casa, acho que uma base de 90, 92, na época do Collor (ex-presidente) que eu passei de lá para cá, era aqui em frente.
Vocês duas juntas vieram e conseguiram abrir esse espaço aqui? Conta como foi a abertura desse espaço.
Foi tudo de bom porque eu já tinha uma clientela grande. À noite, o pessoal ficava na calçada, mas de dia era um sufoco.
Quando eu comprei aqui foi rápido, aí já ficou pequeno. Quando foi em 2009 eu comprei aqui, anexei, porque aí eu já tinha alugado essa calçada para a partir da tarde, de noite
O que mudou aqui foi que conseguiu comprar esse outro espaço, já deixou maior?
Sempre a gente sempre vai ajeitando, uma coisa outra reforma. Quando eu abri foi muito nas carreiras, foi meio errado, depois eu tive que fazer outra reforma, consegui botar a câmera, consegui o poço, consegui fazer energia solar, essas coisas.
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Olhando para esse espaço, muito bonito, guarda muitas memórias e muitas personalidades. Como é como é ser essa pessoa importante que recebe todas essas personalidades?
Eu sempre digo que aos clientes que me fazem. Eu que eu me emociono sempre. Eu recebo muito elogio, os prêmios. Eu ganhei ano retrasado (o título de) cidadã de Fortaleza, vereador me deu. Agora vão me dar aqui do restaurante.
Sempre aparece todo dia é cliente novo, que isso é muito importante para qualquer tipo de comércio. Todo dia aparece novo, né? Que isso é muito bom. Para mim é muito bom e eu sou muito paparicada pelas crianças, que eu digo que criança não mente, né?
Quando eles escolhem, pedem para vir para a Zena, vir me dar um abraço, para mim é emoção grande.
Teve alguma dessas pessoas famosas que visitou aqui, que a senhora guarda com carinho o momento?
O Falcão. Foi das primeiras pessoas. Tinha, assim, uns médicos também. Aquela Juliana, que ela é daqui do Ceará, que veio fazer uma matéria da Angélica. E a Ana Maria Braga também isso não vai esquecer nunca da minha vida. Porque foi uma coisa, foi uma subida tão grande essa bolinha (de carne) que eu faço, você não imagina.

Ela disse assim, quando eu fui lá, e o programa passou ao vivo: “Quantas bolas tu faz, mulher?”. Eu disse assim: “100 bolas dia de sábado, não sei quê”. Aí ela disse: “Tu vai fazer, tu vai fazer 1000 bolas”. E eu vai, ela me abraçou. Foi uma loucura.
Quando eu cheguei aqui, a loucura, o pessoal atrás no outro dia. Foi só assim, sempre ninguém leva, vamos supor, a feijoada, a pessoa que vem, né? Sempre leva a bolinha, tem que comer a bolinha. Dia de sábado, eu chego de madrugada, faço a parte de 1000 bolas.
Imagino que nem sempre tenha sido momentos tão bons, tenha passado por algumas dificuldades.
Eu sempre agradeço a minha saúde, a minha coragem e eu tive muita sorte com gente boa. Freguês até para me ensinar a fazer o tempero da carne, que eu sofria muito com com glândula debaixo dos braços.
Eu me lembro tinha o senhor da prefeitura, pensa assim numa pessoa muito boa. Então passaram muitas pessoas boas, não era tanto cliente do dinheiro, mas era o cliente para te ver, te dar aquela luz, que isso é muito importante.
Das pessoas que te ajudam, para mim isso não tem não tem preço. Foi muita gente boa que aconteceu. Ver que eu estava precisando uma coisa, vinha, trazia, me ensinava. Esse me ensinou a fazer o tempero e ele nem tinha restaurante.
Eu sou muito abençoada, que eu digo que aqui só entra gente boa. Eu me adentei mais quando eu tive a minha filha, já com 34 anos, eu só tenho essa filha. A Chica tomou de conta, deu certo.

Mas assim, eu eu espero que se você não tiver essa pessoa na sua vida, que um dia apareça, porque eu e ela era assim, ela me dava satisfação, eu dava à ela para onde ia, sabe, assim, eu respeitava demais a opinião dela. Ela era muito boa, muito boa, muito boa. Eu botei até ali, quando eu abri, O Beco da Xica, uma placa que eu fiz para ela.
Nesses 65 anos, uma das maiores dificuldades foi a perda da Francisca?
Foi. Perdi marido, perdi um horror de irmão, mas a maior perda foi ela. Eu pensei que quando se ela não ficasse mais comigo, eu não sabia fazer nada, porque ela era assim, o tempero dela não existe, que ela pegava qualquer coisa dessa, botava na panela, era coisa de Deus a mãe dela. E de querer bem a você.
Eu tive a Paula também, eu ensinei logo. Eu disse: “Ó, Paula, nunca você responda a Chica, você não seja grosseira”. Desde pequenininha chamava ela de tia, tomava a bênção.
Aí, assim, veio a doença do meu marido, morreu mais dois irmãos meu, depois mais um. Foram quatro irmãos quase em seguida. Morreu meu meu marido Luiz.
O restaurante enfrentou alguma dificuldade ao longo dos anos, por exemplo, acho que na pandemia deve ter sido difícil também.
Não, estou rindo que nada para mim foi difícil assim, financeiramente, não. Sempre foi muito equilibrado de eu não dever nada, de eu sempre juntar alguma coisa. Eu sou muito assim, sabe? A minha coisas não compro fiado e nem vendo. Sempre me equilibrei dessa maneira.
Que conquistas a senhora cita que foram por meio desse trabalho?
Tudo tive casa de praia, já vendi. Eu tenho o carro que eu quero, graças a Deus, mas com o pé no chão. Dinheiro não mudou a minha personalidade. Ajudei muito minha família, ajudei irmão, ainda ajudo, mas eu acho bom.
Aqui é muito famoso pela bolinha, pela feijoada, mas tem outros pratos que os clientes também gostam?
Uma cavala frita daqui acho que não tem na cidade aqui. A peixada também dia de sexta-feira. Tem a carne do sol suína. Todo dia a gente faz porco. Porco e frango. Cada dia é um é um é diferente, né? O porco, né?
Tem o vatapá de quinta-feira, que é uma delícia também. O vatapá de camarão. Tem a cabidela de terça também que é uma loucura. Vem muita gente fora até para comprar a cabidela. Dia quinta-feira a galinha no molho. Fica o frango assado todo dia.

É muito bonito ver essa relação que a senhora tem com os clientes. Todo mundo chega, conversa. A senhora gosta?
Eles gostam. Eu me emociono também porque às vezes a pessoa vem a primeira vez, já tem que tirar foto, me abraçam. Quando vem, traz uma lembrança, a maioria das coisas aqui, freguês viaja e traz. Para mim, isso não tem preço nenhum. Tu tá lá não sei onde, no Rio de Janeiro, Lisboa, e lembrar de trazer um presente para mim…
Né? Porque tu não é meu irmão, tu não é nada, não é meu namorado, não é filho e tu trazer? Eu acho para mim isso, qualquer coisa, tudo que tu possa imaginar, tem coisinha que é de geladeira, eu levo até lá para casa. Tem gente que traz um terço com meu nome, eu ganhei um meu nome. Eu já tenho dois.
Em 2023, a senhora foi reconhecida como uma cidadã de Fortaleza. Como é que foi receber esse título?
Eu pensei que fosse até trote quando ficaram ligando, né? Foi muito emocionante. Foi bom demais.
Qual conselho a senhora dá para alguém que deseja ter um restaurante de sucesso como o seu?
Eu vejo assim, se você não tiver o pé no chão, se você não tiver simplicidade, você não entre não, que é difícil. Você tem que saber alguma coisa. Se faltar o empregado, você não pode baixar as portas.
Aqui agora é impressionante. Já tá vindo do filho, já tá vindo é os netos. Três gerações. Lá no mercado, onde eu comprava, é o filho ou neto. Que eu ainda continuo comprando no mesmo.
Quem é a Zena quando não tá aqui no restaurante?
Me esqueço. Não sei. Sou a Zenilda, meu nome. Eu fui um evento ontem, terça-feira, eu até me emocionei depois porque foi tão bom para minha cabeça, eu nunca mais saí depois da doença do meu marido. Fez dois anos, em março que ele morreu, que eu não saí nunca mais para nada.
Ultimamente eu não estou gostando muito de dirigir, fico dependendo muito às vezes dos outros, né? Estou meio, assim, mole para dirigir.
Restaurante eu gosto de ir domingo. Mas eu gosto de churrasco. Eu gosto de coisas da brasa, coisa que eu não tenho aqui.
O que que não pode faltar na tua cozinha? De tempero ou de
Tudo. É, não pode faltar nada, nada. Porque se faltar o pimentão o mundo se acaba. Se faltar tomate, não pode. Sal, pimenta, colorau. Tudo se completa.
Porque esse tempero que a gente faz, esse meu amigo que já morreu, ele disse assim: “Não, mulher, eu acho que é de tu tá pilando esse alho, essa pimenta, eu vou te ensinar”. Aí ele veio no outro dia de manhã, eu comprei as coisas no mercado. Era pimenta do reino, alho, vinagre, cebola.
Essas quatro coisas você bota um liquidificador, né? O alho descascado. Pode fazer para semana, pro mês, para tá na geladeira. É o meu tempero. Não compro esse tempero. É desde que a gente começou. Não entra, não entra um cozinheiro aí para mudar.
Esse senhor, Narcélio, era da da prefeitura. Gente boa demais. Assim dessas pessoas bem humanas. Teve outro aqui também. Ele era do Cais do Porto. Muita gente, sabe assim que queria te ajudar em alguma coisa.
Tem todo um cuidado, né?
É, eu faço como se fosse para mim. Comida você ou você faz direito ou você não faça. Para eu comer. Eu vou comer daquela comida e a minha filha. E aqui todo todo mundo que trabalha aqui não tem comida separada não. Todo mundo que trabalha aqui come a mesma comida, vai lá. Escolhe.
Saiba mais
Restaurante Zena
Instagram: @restaurante.zena
Localização: R. Meton de Alencar, 549 – Centro
Funcionamento: Segunda-feira a Sábado, das 10h30 às 14h30