Chef Mattu Macedo: Seu doce legado da TV à sala de aula, do interior para a capital

Foto: Arquivo pessoal

Ela cozinha com tradição, história e afeto. De Macaraú, em Santa Quitéria, município distante 223,46 km de Fortaleza, Mattu Macêdo foi conquistada, ainda na infância, pelos sabores da cozinha. Os cheiros de bolos, como ela lembra, abriram espaço no seu coração para o que a tornaria uma chef apaixonada pelo que faz.

Muitas pessoas a conheceram pelo programa Nossa Cozinha, da TV Jangadeiro. Mas ela acumula muitas outras facetas. Professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora gastronômica, Mattu é chef de Confeitaria e Panificação.

Na sua trajetória, guarda muitas histórias bonitas. Em uma delas, uma senhora a parou e disse que a irmã não sabia ler, “isso é um dos maiores depoimentos que eu já tive, não sabia ler nem escrever. E foi aprender a ler e escrever só para anotar as minhas receitas na TV“, conta.

A paixão pela confeitaria veio das horas que passava mexendo um doce ainda no Interior. “Aquele tempo que você passa mexendo um doce daquele, é você dando um pouco da sua vida a algo doce, a algo simbólico, a algo que dá prazer às pessoas”, diz a chef. O hábito de “adoçar a boca” após um almoço e toda a afetividade que envolve esses momentos, construíram nele o amor pela área.

Ao Sabores da Cidade, a professora detalha sua trajetória, recheada de conquistas, mas também de desafios. Do Interior para a capital cearense, Mattu conta mais sobre sua cozinha, preenchida de afeto e tradição. Leia a entrevista na íntegra abaixo.

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Mattu, como a gastronomia entrou na sua vida? É algo que veio de família? Sempre foi a sua carreira dos sonhos?

A gastronomia, na verdade, entrou na minha vida. Quem é do Interior, a gastronomia sempre faz parte, porque o Interior vive uma cozinha constante. Tudo acontece ao redor da cozinha e na cozinha. Então, no caso da minha família, não veio de família. A cozinha era uma coisa praticada como a cozinha que come, a cozinha que alimenta, a cozinha que mantém o corpo vivo.

Agora, como eu sou filha adotiva, a minha mãe, de sangue, sempre praticou uma cozinha de venda. Ela fazia bolos para vender na rua. Então, assim, eu acho que quando eu chegava lá e sentia o cheiro dos bolos, talvez isso aos poucos foi me interiorizando, me conquistando, me apaixonando.

A senhora tem uma extensa carreira na gastronomia, de apresentadora, chef a professora. Quais momentos dessas etapas você guarda com carinho?

O programa Nossa Cozinha entrou no ar, entrou na minha vida no mesmo dia em que fui contratada pelo jornal O Povo para trabalhar com Carlos Augusto, na época. Então, foi uma coisa inesperada. Então, ela entrou na minha vida sem eu nunca estar esperando. E, ainda hoje, eu digo que não sou apresentadora, eu sou realmente a cozinheira, a doceira, e a TV deu certo exatamente por eu praticar o que eu sou.

Eu não me tornei um personagem de apresentadora, eu realmente sou a cozinheira. E não era uma apresentadora, não era representação, era eu mesma. E desses 25 anos de TV, os momentos mais marcantes é quando as pessoas me paravam na rua para dizer que faziam as receitas, que eu estava presente no Natal com todas elas, que eu estava presente no financeiro quando elas faziam alguma coisa para vender.

Uma vez uma senhora me parou e disse que a irmã dela não sabia ler, isso é um dos maiores depoimentos que eu já tive, não sabia ler nem escrever. E foi aprender a ler e escrever só para anotar as minhas receitas na TV. E com isso ela botou um negócio em casa, ela e o esposo. Então, assim, é muito gratificante saber que o Veículo TV levou para muita gente a possibilidade de um trabalho, de uma profissão. Assim, eu acho que são os momentos muito marcantes.

Muitas vezes a cozinha é um ambiente hostil, especialmente para mulheres. Na sua trajetória, quais foram os maiores desafios? Em algum momento, pensou em mudar de profissão?

Na época que eu começo a fazer isso, é uma época que realmente só homens estão na cozinha, e eu não era vista como uma chefe de cozinha, eu era vista como uma apresentadora, então ninguém me via como uma cozinheira, era a moça branquinha, lourinha, bonitinha que estava lá na TV.

Não acreditavam que eu sabia cozinhar, que eu pegava no pesado, então realmente muitas vezes eu sofria hostilidade, mas assim, sempre fui com muito carinho, muita paciência, muita humildade, porque eu sempre respeitei muito o conhecimento técnico de cada cozinheiro que estava na cozinha, porque eles tinham uma prática diária e iam desenvolvendo as suas metodologias para facilitar sua vida e aquilo sempre deu muito certo.

Então, assim, fui aos poucos superando, né? E assim, na verdade, eu nunca pensei em mudar de profissão. Eu sou tão apaixonada pelo que eu faço, pelo que eu sou como profissional, que realmente isso nunca me passou pela cabeça.

Hoje, na atual circunstância, passou, de repente passou. Por quê? Porque a cozinha hoje, diferente de quando eu comecei, ela não está sendo vista como algo que alimenta o corpo e a alma, mas assim, mais só para aparecer.

E eu, às vezes, fico muito triste pela falta da consciência das pessoas de não saberem o valor real da comida, que ela se expressa dentro da alma de cada um. E para nós que cozinhamos é um trabalho imenso de prazer e alegria, de saber que estamos alimentando a alma e o espírito. Não é uma fantasia como muitas vezes é aparentado, sabe? Mas assim, mesmo assim, passo uma vez, mas fugiu ligeiro, eu realmente não mudaria de profissão.

Foto: Thiago Matine

Além dos temperos convencionais, o que vai na sua comida em termos afetivos?

Quando a gente fala em tempero, eu acho que a afetividade desses temperos está exatamente ligada nos temperos que os nossos ancestrais, quer dizer, a minha mãe, as cozinheiras que passaram na minha casa usavam, que era exatamente o básico, o alho, a cebola, o pimentão, que quando você sente o cheiro do refogado de uma cebola com alho, não tem, eu acho, cearense nenhum que não volte à sua infância, daquele arroz refogadinho no alho e na cebola.

Então, assim, eu ainda continuo a usar os temperos convencionais, até porque o alimento ele tem um sabor próprio. E se eu colocar muito condimento, eu roubo o sabor dele original. E a nossa cozinha nordestina, ela tem uma tradição do tempero básico, tomate, cebola, pimentão, alho e cheiro verde. Então eu acho que é assim. É um tempero convencional, tradicional, mas que está cheio de memória e afetividade.

De todas as áreas da gastronomia, por que se especializou na confeitaria? O que chamou a sua atenção nela e despertou esse carinho?

Para a mim, a confeitaria, como ela está ligada ao doce, eu me lembro que lá em casa, assim, quando a gente é do Interior, a gente nunca se desperdiça nada. Então aquelas bananas bem maduras, era cortado em rodelinhas para fazer doce de banana, o jerimum era cozido e amassado para fazer doce de jerimum.

Então, esses doces, eles levam muito tempo para serem cozidos. E não é só cozido. Você tem que ficar ali, com eles, mexendo. Aquele tempo que você passa mexendo um doce daquele, é você dando um pouco da sua vida a algo doce, a algo simbólico, a algo que dá prazer às pessoas.

Todo mundo do Interior, quando termina de almoçar, já sabe, eu quero adoçar a minha boca. Então assim, a confeitaria me conquistou exatamente por essa ligação de afeto que ela tem, de adoçar a boca, de deixara boca doce, de deixar a boca com gosto, com sabor adocicado.

Então, assim, ela me conquistou por isso. Hoje ela está mais ampla, não é que está só restringindo os doces, né? Porque a gente vai crescendo, tá ligada ao bolo, que tem uma afetividade muito grande. Você, quando vai visitar alguém, alguém sempre tem um bolo para lhe oferecer, como boas-vindas, para dizer que você é bem-vindo, para dizer que você faz parte da minha casa.

Quer dizer, o doce sempre tem essa representatividade muito grande. As pessoas sempre procuram comprar o doce que a pessoa gosta, para agradá-la, como sinal de bem-vinda e de amor.

Quais cuidados a senhora toma para sempre manter a qualidade do seu trabalho, referência na cidade?

Eu acho que todo profissional, não é que a gente queira se manter referência do mercado, lógico, quando a gente consegue se manter, é muito gratificante. Mas na nossa profissão, principalmente eu que sou professora, eu tenho que me manter atualizada devido aos meus alunos, porque eu formo um aluno que vai para o mercado de trabalho.

Se eu não me manter atualizada em toda a confeitaria, panificação, chocolataria do mundo inteiro relacionado à economia, à psicologia que está ligada a essa sensação de comer, à arte, à alegria, ao turismo, enfim. De uma maneira em geral, se eu não estiver atenta a todas as áreas que permeiam o ser humano em sua vida e que levam direto ele à mesa, sempre, eu não me atualizo.

Mas é uma obrigação minha me manter atualizada, porque eu hoje formo mão de obra, eu formo o profissional de amanhã. Eu tenho que fazer que ele perceba que a gastronomia não se limita só à comida, aos insumos, à receita, à ficha técnica, ao mercado, não, ela está inserida na vida complexa do ser humano, em toda a sua extensão de atividade.

Então, me manter atualizada é quase uma obrigação, e eu não me mantenho, engraçado que eu não me mantenho atualizada só, ao contrário. Eu tenho que me manter atualizada devido aos alunos, mas é eles que me mantem atualizada pela cobrança que me fazem todos os dias. “Professora, como é que está isso?” “Professora viu falar nisso?”.

Então, assim, eles vão trazendo as demandas. Demandas, e eu vou em busca, estudo, retorno a demanda para eles, é com a minha visão crítica. E assim, há uma troca de conhecimento tão grande que a gente, às vezes, realmente se mantém atualizada sem nem querer, mas é isso.

Como professora, o que destaca dessa experiência? Qual o sentimento de passar o legado do seu conhecimento para tantas outras pessoas?

É engraçado que, às vezes, você não tem noção desse legado que passa. A gente passa conhecimento, eu sempre acho que é pouco, eu sempre acho que deveria ser mais, pela responsabilidade que eu tenho de ensinar tanta gente, de formar, nem ensinar, de formar tantas pessoas, e tão diversos que são o modo deles aprenderem esse conhecimento da gastronomia.

Foto: Arquivo pessoal

Então, assim, é uma experiência muito gratificante. Quando você vê um chefe que hoje se destaca nas instituições de Fortaleza, quando você vê um aluno que está fora do Brasil, em outras instituições, fazendo mestrado, fazendo doutorado, recebendo bolsas, a gente se sente muito orgulhosa do que faz. Muito orgulhosa, por quê? Porque você sabe que ali dentro é um pouquinho de você junto com ele, do seu apoio, do seu incentivo, de acreditar naquele aluno, naquele ser humano que tanto queria gastronomia.

A gente está vendo esses alunos correndo pelo mundo, correndo aqui em Fortaleza, abrindo restaurante, abrindo seus negócios com uma capacidade incrível. E a gente se sente pertencente a cada negócio que eles abrem, a cada um, a gente se sente com eles em cada um deles.

A senhora tem uma trajetória de destaque na cidade e teve muitas conquistas ao longo dos anos. O que mais deseja conquistar?

Na verdade, essa conquista é plantada todos os dias. O que eu mais desejo conquistar é que todos vejam a gastronomia não só como comida, mas como uma ciência que permeia todos nós. Que hoje o cearense valorize o seu profissional, valorize a sua comida, a sua plantação, o seu alimento, os seus hábitos alimentares, as suas raízes, sabe? Que ele tenha muito orgulho do que ele é e do que ele come.

Porque a gente é um povo feliz e essa felicidade passa pelo que nós comemos. O cearense tem a fama de brincalhão, tem a fama de alegre, de amigo e tudo isso está, querendo ou não, incluído na comida, na mesa.

Porque todo cearense, quando chega na casa de alguém, ele (diz) “vem a tomar um café”, “vem comer um biscoito e comer um bolo”. Então assim, o que eu mais desejo conquistar é o que eu faço todos os dias, que as pessoas tenham consciência da nossa alimentação, do nosso orgulho de ser nordestino e principalmente da sua alimentação.

Para além da cozinha e sala de aula, quem é a Mattu quando não é chef e nem professora? O que gosta de fazer no tempo livre?

Bom, a Mattu fora da sala de aula, ela sai da sala de aula, mas não sai da cozinha. Ela é aquela que gosta de receber gente em casa, de fazer bolo, de fazer biscoito, de oferecer o que as pessoas que vêm para a minha casa comer, de fazer em abundância para que leve, maior satisfação é quando dizem, “tia, deixa eu levar”.

Eu gosto de dançar, eu gosto de viajar, eu gosto de conversar, eu gosto de ler. Eu gosto de bordar, não que eu saiba bem, mas eu gosto de bordar. Eu gosto de gente, eu gosto do meu tempo livre, eu gosto de estar com gente, eu gosto de estar conversando, de estar numa mesa, de estar visitando gente. Eu adoro gente.

O que eu faço no meu tempo livre é exatamente isso. E faço faxina também (risos). Então, assim, eu não saio, na verdade eu rodo, rodo a casa, acabo na cozinha. Eu sempre estou na cozinha. Organizando, ajeitando, olhando, mas gosto muito de gente, gosto de viajar, adoro dançar.

Pitadas de Mattu Macedo

Foto: Arquivo pessoal

O que não pode faltar na sua cozinha?
Uma boa faca, panela, termômetro e espátulas.

Qual receita de família é marcante para você? De quem é?
O bolo mole de minha mãe Socorro.

Uma música para ouvir cozinhando?
As clássicas orquestradas e de pianos.

Livro predileto? Não precisa ser de gastronomia.
Livro A Arte de Viver O Manual Clássico Da Virtude Felicidade E Sabedoria de Epicteto.

Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
A beira mar, o vai e vem das pessoas, a brisa, o cheiro do mar, os diversas sotaques, a beleza e a diversidade cultural que se reúne ali.

Saiba mais sobre Mattu Macêdo

Instagram: @mattumacedo

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