
Da região de Piemonte, na Itália, para Fortaleza. A capital cearense foi agraciada na década de 1990 com a chegada de Marco Ferrari. Com pioneirismo, contribuiu para a criação da base da cultura do vinho na capital da Terra do Sol.
Marco, profissional sommelier e professor, nasceu imerso na tradição da produção artesanal da bebida. Quando criança, fazia vinho na chácara da sua avó quando a família se reunia, especialmente aos domingos. Juntos, realizam todo o processo, que ia da colheita à transformação da uva em vinho, em uma produção feita para o consumo da própria família.
Cursos, palestras e treinamentos são algumas de suas iniciativas. Com formação em Marketing e, atualmente, um estudioso de Filosofia, Marco Ferrari entrou pela primeira vez no mercado dos vinhos por meio da venda de rótulos.
Ao longo da sua trajetória, inúmeros profissionais receber os seus ensinamentos, ao que ele ressalta: “É a transmissão de, não chamo nem de conhecimento, é uma transmissão mesmo de experiência”.
Em 2014, Ferrari teve participação no lançamento da primeira turma do curso de Sommelier na UniFametro. “Formamos diversos sommèliers, hoje estamos com quase 200 sommèliers formados nesses 10 anos de curso”, conta.
Ao Sabores da Cidade, Marco detalha a sua trajetória e como tem construído o seu legado em Fortaleza. Ele traz, ainda, mais informações sobre o seu novo empreendimento, a Enoteca Ferrari, que passará, em breve, a ser um wine bar, combinando a boa gastronomia com o mundo dos vinhos. O espaço, como ele diz, é um sonho de muitos anos que se realizou. Leia a entrevista completa abaixo.
Marco, conta um pouco sobre você, de onde veio e como entrou no mundo dos vinhos.
Eu praticamente posso dizer que o meu contato com o vinho vem de berço, porque além de eu ser italiano piemontês da região do Piemonte, que é uma região produtora de vinho, das mais importantes, a minha família fazia vinho, fazia vinho na chácara da minha avó.
A gente tinha uns vinhedos lá, fazia todo o processo, fazia a vindima, chamava a família para colher as uvas, depois fazia a vinificação da uva em vinho. Tudo num domingo, aí reunia toda a família, amigos da família, então era uma questão que eu me lembro quando eu era criança ainda.
Claramente, isso era uma produção de vinho muito artesanal, assim para consumo mesmo, para consumo da família, ninguém vendia vinho, mas isso, ainda na década de 1970, me lembro, totalmente marcou, podemos dizer, a minha infância, isso sempre ficou em mim, no sentido de ter uma ligação muito próxima com o vinho.
Quando eu cheguei em Fortaleza, já na década de 90, em 1991 para ser mais preciso, coincidiu que encontrei uns italianos que estavam fazendo uma importação de massas italianas e vinho, acho que a primeira que Fortaleza teve, certamente a primeira, pioneiros mesmo, no caso, e me contrataram porque eu sabia falar já bem português e tinha também uma penetração na cidade, morava aqui, aí eu comecei a vender vinho e a partir daí que se deu o começo, digamos, do aspecto comercial, o começo da minha atuação profissional com vinho.
Para o senhor, como é o mercado de vinhos em Fortaleza? Houve uma evolução?
O mercado de vinhos em Fortaleza cresceu muito nos últimos anos. Eu diria de uns 10 anos para cá. Na verdade, o mercado de vinhos em Fortaleza começou a ter uma certa importância a partir da década de 2000, no novo milênio, mas muito lentamente.
De uns 10 anos para cá, cresceu com mais vigor. E da pandemia para cá, portanto, nos últimos cinco anos, deu um belo salto. Claro, quando a gente vai verificar a questão de outras capitais, sobretudo capitais como São Paulo, Brasília, o próprio Rio de Janeiro, claramente estamos ainda bastante aquém, no sentido de variedade de vinho, de consumo etc. Mas também temos que considerar que aqui há o fator poder aquisitivo, que é bastante importante, além do fator cultural, que também é bastante importante.
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De qualquer forma houve uma evolução, sim, muito embora o vinho ainda seja considerado uma bebida, digamos assim, ainda não entrou no cotidiano das pessoas e o pessoal ainda busca referências já conhecidas, ainda não é fácil ainda propor novos vinhos, propor novas experiências, propor diversas opções saindo daquelas marcas, daquelas regiões já mais batidas, já mais procuradas, mas é um trabalho de formiguinha que está sendo realizado, eu estou vendo, eu não estou sozinho nisso, e portanto a coisa está andando, está, sim, em evolução, certamente está em evolução.
Qual o perfil do público consumidor de vinhos em Fortaleza?
O perfil de consumidor é um perfil bastante metódico. A grande maioria procura sempre aqueles mesmos rótulos e dificilmente se abre para outras coisas diferentes. Não todo mundo, claro, mas a maioria está bastante ligado às marcas que tem de preferência e aí, portanto, fica um consumidor um pouco limitado em certos vinhos.
Então, certas marcas de vinho têm um desempenho muito bom, comercialmente falando, e certas outras, tão boas quanto, às vezes até melhores, às vezes até com um preço mais competitivo, têm um pouco mais de dificuldade devido ao fato do consumidor ser um pouquinho limitado. Não todos, mas a grande maioria. No macro, vamos dizer assim, a grande maioria apresenta esse perfil, sim.
Como foi o processo de o senhor se tornar referência no assunto vinhos em Fortaleza?
Eu comecei a trabalhar com vinho na década de 1990. Exatamente em 1994. Que eu saiba, só tinha eu vendendo vinho. E alguns outros que vendiam, inclusive além das outras coisas, vinhos também, hoje em dia já não estão no mercado há muito tempo.

Então, eu comecei como pioneiro. Com o passar dos anos, percebi que a questão não era apenas vender o vinho, não era comercial. A questão era cultural. Ou seja, o pessoal consumia vinho e muitos ainda fazem isso, até hoje, consumia como uma alternativa de bebida. No lugar de tomar um whiskey, um gin ou uma vodca, uma cerveja ou uma cachaça, tomava um vinho.
Quando na verdade, o vinho tem o seu próprio espaço cultural, seu espaço de consumo, tem seu âmbito de consumo ligado à gastronomia. Isso, naqueles tempos era pouco compreendido. Tinham até os mitos de que aqui (Fortaleza) era muito quente e que não pode tomar vinho, porque vinho tem que tomar em temperatura ambiente, “aqui é muito quente e está difícil e não sei o quê”. Vários mitos sem pé nem cabeça.
Eu percebi, com o passar do tempo em que vinha trabalhando, que era uma falta de conhecimento. Eu me propus a fazer isso, como pioneiro. Primeiramente na década de 2000, treinando os profissionais, fazendo palestras em restaurantes, em hotéis, em resorts, no Interior, em padaria que tinha vinho. Levando conhecimento para o público. Primeiro para os profissionais, de formar que eles tivessem um maior conhecimento e pudessem abordar o cliente de uma maneira mais assertiva.
Com o passar do tempo eu percebi que era muito lento, então eu resolvi agir diretamente no público consumidor. Então eu consegui com meu amigo, o saudoso Fernando Barroso, que tinha um programa de gastronomia na televisão, consegui, de penetra, literalmente, com uma brincadeira que eu fiz com ele, uma vaga de sommelier, suporte no programa dele.
Ele fazia um programa chamado Aprenda com o Chef e visitava alguns restaurantes. Às vezes não era restaurante, era casa de algum conhecido no ambiente da gastronomia e batia um papo com ele, desenvolvia quatro receitas com ele e eu entrava como aquele que oferecia o vinho.
Essa foi uma das formas que eu tive, digamos assim, de meter as caras para poder mostrar para o público, em uma transmissão que saia na TV Cultura daqui, TV O POVO, que era ligada à Cultura, na época. Era um público de nicho, mas de certa importância do ponto de vista da cultura, literalmente.
Ou seja, não era um público de massa, mas era um público selecionado. A partir daí, depois teve o surgimento dos cursos de sommelier, na época da Unifanor. Em 2014, exatamente, lançamos a primeira turma. Formamos diversos sommèliers, hoje estamos com quase 200 sommèliers formados nesses 10 anos de curso.
Para você, quais as principais características de um bom vinho?
Um bom vinho, para ser bom, em termos de qualidade, ele precisa obedecer a alguns critérios que são objetivos. A gente pode ter as próprias preferências, qualquer um consumidor pode preferir vinho, que não necessariamente seja um vinho caro, de uma determinada região, ou de outra uva, ou de um tipo de tinto, ou em lugar de branco, branco em lugar de tinto.
Isso é subjetivo, mas para o vinho ser bom ele tem que obedecer critérios objetivos de qualidade, que tem que partir de uma uva boa, que vende vinheiros bem cuidados, sem uma produção excessiva de uva para não perder qualidade.
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Tendo uma boa uva, deve haver um bom trabalho do enólogo para que o vinho se torne realmente um vinho de qualidade, respondendo, repito, a parâmetros objetivos, que são os parâmetros observados na análise sensorial, na degustação do vinho, que é a primeira coisa que a gente ensina em qualquer um de nossos cursos, seja curso de iniciantes, de sommeliers, seja qualquer um.
É essa análise sensorial, ou seja, a degustação, você percebe quais são as características do bom vinho, de como ele é feito, e aí não tem importância o preço final, desde que seja um vinho coerente, ou seja, que ele obedeça critério de qualidade, e depois seja oferecido com preço condizente a determinados critérios, aí qualquer um vinho pode ser, entre aspas, um bom vinho, o importante é que a gente tenha essa noção.
Sobre as vivências na área, conquistas, quais experiências o senhor destaca?
Sem dúvida, o que mais destaco é a transmissão de, não chamo nem de conhecimento, é uma transmissão mesmo de experiência. Ou seja, essa troca de experiência, que eu, que possuo uma certa experiência, porque repito, eu quase que nasci dentro das videiras, praticamente, dentro dos vinheiros.
Então, tenho esse elo, essa ligação forte, sentimental, de família mesmo com o vinho e, depois, cultivada ao longo de anos de profissionalismo. Então, essas experiências que eu acumulei, a parte mais importante que eu acredito, é poder repassar isso para o meu aluno, poder repassar isso para as pessoas, com as quais a gente tem contato através dos cursos ou das palestras ou encontros, degustações.
A maior satisfação é quando eu vejo essas pessoas, algumas delas, pelo menos, que leva adiante isso, que se deixa contaminar, que nem eu, pelo vírus do vinho, vamos chamá-los assim, obviamente de brincadeira.
E ver que essas pessoas também, elas vão continuar espalhando e trabalhando dentro da cultura do vinho para amplificar esse trabalho que eu acredito. Repito, se eu fui pioneiro, a minha satisfação em ver o resultado é que outras pessoas também estão fazendo o mesmo, então isso significa que eu estava correto, estava certo, fazendo algo bom, que tivesse um sentido, que acrescenta, algo de positivo à minha vida social, ao meu redor, enfim, o que eu fiz foi algo interessante porque outras pessoas também estão fazendo, então eu fico muito satisfeito, essa é a parte que mais me agrada de todo o aspecto. Digamos assim, das experiências que eu tive com o vinho.
Quem é o Marco quando não está como sommelier?
O que eu sou é um trabalhador do vinho, que aprecia muito o vinho, tenho minha família, logicamente, eles de certa forma envolvidos também, os meus filhos. Um é sommelier, é juiz também de vinho, formado por mim, acho que foi o mais novo sommelier, o meu filho mais velho, foi o mais novo sommelier que eu formei, não tinha nem 20 anos quando ele se formou, depois fez o juiz de vinho, hoje está trabalhando na Itália, em restaurante, logo também dentro do ambiente.

O outro meu filho trabalha comigo na loja, e a minha esposa também fez o curso de sommelier, então isso é muito difícil, separar o Marco Ferrari do vinho, porque realmente é a vida, não é apenas uma profissão que eu exerço durante 8 horas e depois vou fazer outras coisas.
Claro que a gente tem outros hobbies, porque eu gosto do esporte, gosto de assistir. Gosto do esporte, gosto de leitura, gosto de cultura, tenho formação de Marketing, mas agora com quase 60 anos de idade estou buscando minha formação em Filosofia. Então é uma coisa que eu gosto muito, é o estudo, a aprendizagem.
Aprendizagem não apenas do vinho, mas através do vinho a gente acaba abrangendo a cultura como um todo. Então eu sou um entusiasta pela cultura, pelo conhecimento e pela vida regrada. Eu não diria só vida boa, vida boa porém regrada, sem excesso, eu acho fantástico.
Como tem sido essa nova fase com a criação da Enoteca Ferrari e o que podemos esperar de novidades?
A questão da criação da Enoteca Ferrari é um sonho que eu tinha há muitos anos, que consegui realizar agora. Basicamente se trata de fazer um espaço cultural do vinho, onde a gente consegue abranger todos os aspectos que uma pessoa que gosta de vinho acredita que possa encontrar o que está buscando aqui na Enoteca.
Por quê? Porque nós temos nossos cursos que continuam, aliás a oferta aumentou, já aumentou e vai aumentar mais ainda, com diferentes propostas, diferentes formatos, então a pessoa pode vir para aprender, depois pode vir para, eventualmente, na degustação provou determinado vinho, nós temos ele aqui para vender, ele não precisa nem sair para outro canto, já se encontra aqui diretamente.
E pode voltar depois para ter outras experiências de harmonização, já que em breve vamos abrir o Wine Bar restaurante. Pequeno restaurante, isso é mais para Wine Bar, e aí, logicamente, completa todo o percurso, porque vai aprender, vai provar, levar para casa, ou ter experiência no local mesmo.
Isso era uma coisa que eu queria, tentar vender meus vinhos na minha casa, meus vinhos. Quando eu digo meus vinhos, são os vinhos que me interessam, os vinhos que eu gosto, os vinhos que eu acho que são interessantes para além da questão apenas comercial, mas assim, uma questão mesmo de pequenos produtores, de alguns critérios que eu gosto de obedecer na seleção dos vinhos da minha loja.
Gosto que seja de pequeno produtor, se possível que seja de vinhedo orgânico ou biodinâmico, dos quais eu gosto muito, de regiões inusitadas para que o pessoal tenha condições de aprender e conhecer opções além daquelas já que encontra normalmente nas lojas ou no supermercado.
Então é uma busca inusitada pelo diferente e que sempre vai ter algo de novidade aparecendo de acordo com o que me aparecer pela frente se eu achar interessante eu vou botar na loja, então é uma loja que vai ter que tem bastantes ofertas para todos os bolsos ou quase todos e também para todos os gostos.
Como professor, o que o senhor sente sabendo que deixa um importante legado no mundo dos vinhos em Fortaleza? O que mais gosta em ensinar sobre vinhos?
O legado que eu deixo é que o vinho não é apenas uma bebida, é muito mais. O vinho representa um legado cultural imenso de gerações e gerações, com milênios de história que praticamente acompanham a civilização ocidental desde seus primórdios e, portanto, o meu legado é fazer parte disso tudo, e tocar isso para frente, e podendo acrescentar alguma coisa do meu, eu acho muito importante, acho muito interessante.
O que eu mais gosto de ensinar sobre vinho é justamente isso, tentar passar a questão da importância do vinho para além da bebida, mas sim do aspecto cultural, daquilo que ele pode agregar na vida das pessoas, inclusive como tornar um ser humano melhor através do vinho, devido aos estudos que a pessoa possa desenvolver etc.
Eu sempre busco conscientizar o meu aluno sobre isso, por isso que a gente faz também, além da parte literal ligada estritamente às partes técnicas e degustativas, a gente viaja bastante na história do vinho, na cultura, em como certas situações aconteceram, devido eventualmente a questões históricas, de eventuais reinos em guerra, e aí desenvolver um vinho em determinado lugar porque podia atender a determinada situação, enfim, história longa.
Pitadas de Marco Ferrari

O que não pode faltar na sua adega?
Não pode faltar vinho italiano, espumante brasileiro. Adoro os vinhos franceses e não podem faltar.
Uma música para ouvir enquanto aprecia um bom vinho?
Depende do estado de ânimo. Eu adoro muitos tipos de música.
Livro predileto? Não precisa ser de gastronomia.
Quase todos. Livros de suspense. Quando não são esses livros, parto para os filósofos ou para a literatura clássica.
Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
São variados, tem de tudo.
Saiba mais em @vinhofortaleza.