
Perder algo, também é ganhar. Natural de Sobral, no Ceará, Melissa Rodrigues, fundadora da renomada doceria Doce Mel, é advogada por formação. Durante a graduação, ela tinha um plano bem estabelecido. Seria concursada, essa era a meta. Muito estudiosa, ela começou nessa trajetória, mas foi surpreendida com um resultado inesperado.
Abalada, Melissa voltou aos estudos. Mas dessa vez, na busca por complementar a renda, passou a levar para a biblioteca onde estudava os brigadeiros que fazia em casa. Esse doce, em especial, viria a mudar a sua vida completamente.
Nas suas lembranças de infância, os doces já marcavam momentos importantes. Eles apareciam em encontros com a família, quando sua mãe, responsável por produzir os doces nas festas de aniversários, apresentava a ela essa conexão com a comida. “Enrolava em casa mesmo e colocava nas forminhas, nos papeis crepom”, lembra.
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Em entrevista exclusiva para o Sabores da Cidade, Melissa relembra como tudo começou, os desafios de empreender e os sonhos que ainda deseja para a Doce Mel. Fora da cozinha, ela conta mais sobre como é a sua rotina, além de inspirações e momentos marcantes.
Confira a entrevista completa:
Sabores da Cidade: Quando você percebeu que os doces seriam mais do que uma paixão e poderiam se tornar o seu negócio? Como nasceu a Doce Mel?
Melissa Rodrigues: Sou de Sobral e morei toda minha infância e início da adolescência lá. Nos aniversários da família, minha mãe sempre fazia todos os docinhos, enrolava em casa mesmo e colocava nas forminhas, nos papeis crepom, como era de costume antigamente. Sempre foi tradição nas festas de aniversário, nunca foi um negócio. Na verdade, muitas pessoas não sabem, mas sou advogada de formação, sempre fui aquelas alunas nerd que estudava para concurso. Queria muito passar num concurso da procuradoria e comecei a fazer prova em todo o país! Em um determinado concurso, já estava na terceira e última fase, quando fui reprovada na prova oral. Esse resultado me derrubou emocionalmente, foi um grande marco de desestabilização para a carreira de concurseira, mas um grande inicio na minha vida de empresária. Quando voltei para a biblioteca da faculdade para estudar para o próximo concurso, comecei a fazer brigadeiro em casa para vender na biblioteca enquanto estudava. Foi uma forma de ter alguma fonte de renda enquanto me dedicava aos estudos. A partir daí comecei a receber encomendas, e em agosto de 2015 fiz meu primeiro evento!

Empreender nunca é fácil, ainda mais no ramo da confeitaria. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou desde o início até consolidar a Doce Mel como referência?
Realmente empreender não é fácil. Para mim, um dos maiores desafios do empreendedor é formar a equipe. Eu nunca me imaginei uma empresária, então quando me vi tendo que contratar pessoas, liderar equipe, cobrar, delegar, e iniciar uma relação que até então eu nunca tinha vivenciado, isso foi e até hoje é um desafio para mim. Sem contar que a rotatividade de funcionários dentro de uma empresa tende a ser grande.
Eu sempre fui de dentro da cozinha, e até hoje me considero chão de fábrica, então desde o início eu sempre me relacionei muito com a equipe. A minha primeira funcionária foi a pessoa que trabalhava na casa dos meus pais, que me viu crescer e cuidou das minhas irmãs. Ela passou nove anos na loja. Nesse tempo, veio trabalhar com a gente o filho dela, depois a vizinha, a cunhada, o sobrinho e esses estão lá até hoje.
No início priorizei pessoas de confiança do que com técnica. A partir daí, montei uma equipe fiel, comprometida e que chega junto. Depois foi que fui aperfeiçoando a técnica, os processos, e lapidando cada um. Apesar de ser um clichê, meu relacionamento com eles é de uma grande família. E cozinha, vocês sabem, é o local da casa onde mais se conversa. Lá, entre um uma panela de doce e outra, contamos nossas dores, trocamos conselhos, fofocamos, damos boa risada.
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Suas criações têm combinações de sabores sofisticadas e um design impecável. De onde vem tanta inspiração? Como é o seu processo criativo?
Existe muita coisa gostosa nesse mundo, não é? E é muito boa a sensação de provar algo gostoso e que marca, que a gente sente que tem um toque diferenciado e que fica na cabeça. Posso dizer que boa parte das minhas inspirações, dessas combinações de sabores que temos e até mesmo criações de produtos nasceram em viagens, provando os sabores locais, especiarias, frutas, apresentadas de forma e em combinações diferentes da que estamos acostumados no nosso dia a dia. E o curioso é que normalmente ocorre de forma despretensiosa, de locais de onde menos espero.
Comigo nunca funcionou aquela “pesquisa de mercado” de sair batendo de porta em porta nas docerias de uma cidade para conhecer o doce. Por incrível que pareça essa forma nunca foi eficaz. A inspiração muitas vezes vem da sobremesa num restaurante, que é conhecido pela massa, não é nem pela sobremesa. Aí eu provo aquela sobremesa e de repente, um sabor chama atenção. Ou em uma feirinha de rua que você se depara com várias barraquinhas de comida e conhece uma fruta ou um doce até tradicional mas numa versão local que até então você não conhecia.

Quando eu gosto de um sabor, que me desperta interesse, eu vou atrás, e tento reproduzir em outra forma de doce, na nossa realidade, misturando com sabores característicos nossos. Isso muitas vezes gera um grande desafio, que é o acesso limitadíssimo a alguns insumos. Como por exemplo a alimentos liofilizados. Então para executar o sabor daquele doce normalmente tenho que fazer pedido de São Paulo, pois aqui ainda não é tão comum ou é muito caro.
A experiência do cliente vai muito além do sabor. Quais são os detalhes que você faz questão de cuidar com carinho para encantar quem experimenta seus doces?
A delicadeza da nossa personalização e as estampas autorais das nossas embalagens sempre foram aspectos que tivemos muito cuidado desde o início, há dez anos. O primeiro contato que o cliente tem com o produto é visual. Nosso produto leva o detalhe que o cliente procura. O que conquista é a forma da apresentação que é diferente, a história por traz da criação da embalagem, a estampa exclusiva que enriquece o produto que vai dentro da sacola, enfim, o detalhe é o detalhe.
Nossas embalagens são todas de estampas exclusivas desenhadas de acordo com a data comemorativa e com a linha que seguimos naquele ano! Todas elas possuem uma historia que ajudam o cliente a se envolver em toda a experiência que já inicia com a embalagem e com o design de toda a coleção.

O mercado da confeitaria está sempre inovando e se reinventando. Como você mantém a autenticidade da Doce Mel sem perder a conexão com as tendências?
A confeitaria é dinâmica, porém, ela exige identidade. A Doce Mel começou com o brigadeiro. O tradicional docinho brasileiro, sem segredo, que se faz em casa, inclusive. E foi nesse conceito do gostinho do brigadeiro recém-saído da panela de casa, com aquela textura lisinha e liguenta, que construímos nossa história. É o que nos norteia.
O brigadeiro da Doce Mel é sinônimo de brigadeiro fresco, brigadeiro molinho. Então, quando surge as tendências, eu vou testando para eu possa desenvolvê-las mantendo essa característica de frescor, nossa identidade.
Quando falamos em inovação, é comum a ideia de fazer igual algo que está bombando e replicar na nossa cozinha. Porém na maioria das vezes essa ideia não se sustenta por muito tempo. Até porque boa parte das novidades são extravagantes ou só duram um certo momento. É preciso manter sua identidade, aquela que o cliente reconhece de longe, essa é a forma mais segura de inovar, de recriar, de se reiventar.
Além do brigadeiro – que é um clássico –, existe algum doce ou momento na sua trajetória que marcou um antes e depois no sucesso da Doce Mel?
A meu ver, a Doce Mel teve um antes e depois do Ovo de Speculoos. A inspiração veio em uma viagem, quando provei um doce com esse biscoito. Quando cheguei, fiz um ovo nesse sabor, adicionando um caramelo salgado. Com o ovo de speculoos ganhamos o prêmio de melhor ovo de colher no concurso de Melhor ovo do Sabores da Cidade, em 2019. Um ovo vanguardista e que até hoje faz muito sucesso. Depois, criamos o brigadeiro, e hoje contamos com vários produtos fixos no nosso catálogo.

Toda doceira tem aquele feedback que toca o coração. Qual foi o retorno mais emocionante que você já recebeu de um cliente? Como isso te motivou a continuar?
Recentemente recebi um mini cliente que estava em processo de tratamento de câncer. Ele veio com a mãe para fazer um pedido para comemorar o seu aniversário e o final do tratamento, ele fez questão de escolher todas as personalizações e todos os sabores! Ver a felicidade no rostinho dele me fez perceber que eu estava no caminho certo e que todo mundo tem um proposito na vida! O nosso é proporcionar momentos, mesmo que pequenos e simples, de felicidade a todos que nos consomem!
Uma estudante levantou a mão, pediu o microfone, e disse que ganhou um ovo de Páscoa da nossa loja e que ela nunca mais esqueceu o sabor daquele ovo.
Melissa Rodrigues
Um outro momento emblemático, foi em um evento do curso de hotelaria do IFCE. Eu e outros profissionais da confeitaria foram convidados para uma palestra, uma mesa de ideias e troca de experiências com alunos do segundo semestre do curso. E ao final do evento, uma estudante levantou a mão, pediu o microfone, e disse que ganhou um ovo de Páscoa da nossa loja e que ela nunca mais esqueceu o sabor daquele ovo.
É como disse no início, experimentar um sabor, e ele ter a capacidade de criar memória afetiva, te lembrar um dia, uma pessoa, um momento, assim como acontece com um cheiro, ou uma música, e você lembrar exatamente daquele sabor é o ápice, é sentir-se inundado por um sentimento de completude. Que profissionalmente você atingiu o ápice do seu objetivo. É para quilo que você está ali todo santo dia.
Agora, saindo um pouco da cozinha: quem é a Melissa fora do mundo dos doces? O que te faz feliz além da confeitaria?
Hoje, o que me faz feliz é aproveitar um domingo com minha família! Digo que domingo é meu dia sabático, zero cozinha, e muito amor com minhas filhas! Trabalho na confeitaria nos faz proporcionar muitos momentos felizes aos clientes, mas nos priva de muitos momentos em família, pois a maior carga de trabalho é aos finais de semana. Então aproveito o domingo o máximo que posso com quem amo! Viajar também é uma das minhas paixões.
Olhando para o futuro, onde você imagina a Doce Mel nos próximos anos? Algum sonho que quer realizar?
É natural do ser humano querer crescer, e se tornar sempre maior. Não é à toa que desde criança já queremos nos tornar adultos, e quando chegamos à fase adulta, nos deparamos com as dores e responsabilidade desse crescimento. Por isso, sem querer romantizar o empreendedorismo e, para além da vontade natural de crescimento, o meu desejo mesmo, aquele íntimo, que vem lá de dentro, é que a Doce Mel se torne referência em doces. Que mais pessoas, como a aluna do curso de hotelaria, lembrem-se do nosso sabor, reconheçam-no e possam pedi-lo de qualquer lugar do Brasil.
Para fechar, se você puder deixar uma marca na confeitaria cearense, qual seria o seu legado?
O compromisso com a qualidade! A qualidade, para mim, é inegociável. Nunca abandonar a qualidade de todos os insumos usados durante o processo, mesmo com os desafios de altos preços isso faz com que o nosso cliente não nos abandone nunca! Quando o confeiteiro abre mão de um insumo de qualidade, dificilmente ele consegue vender o mesmo produto. E ali, o cliente já não está mais comprando o docinho que provou anteriormente e o fez retornar ao seu estabelecimento.
Pitadas de Melissa:

O que não pode faltar na sua cozinha?
Pasta de Amendoim e banana!
Qual receita de família é marcante para você? De quem é? Quindim, da minha avó.
Uma música para ouvir confeitando?
Não sou muito da música!
Livro predileto?
É Assim que Acaba.
Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
Um bom caranguejo na praia!
Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
Uma sombrinha no parque Adahil Barreto domingo de manhã com as crianças, depois de um café cedinho numa boa padaria!
Serviço
Doce Mel por Melissa Rodrigues
Doces por encomenda, pronta entrega e presenteáveis.
Instagram: @_docemel
Endereços: Shopping Iguatemi Bosque, 2º piso | Av. Padre Antônio Tomas 850, loja 37, Aldeota.
Dias e horários de funcionamento: Shopping Iguatemi: Segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingo das 13h às 21h | Sede Aldeota: De segunda a sexta das 9h às 18h, e aos sábados das 9h às 15h.
Publieditorial
Inspiradora, a história da Melissa! Adorei a matéria! 👏🏼👏🏼👏🏼
Que maravilha! Ficamos felizes com seu comentário. Volte sempre!
Linda história! E esse quindim? deu vontade! tem na loja? já vou procurar!
Já podemos pedir o quindim no cardápio!