
Uma mulher paraense, que se enraizou em Fortaleza ainda muito jovem. Giovanna Mondardo é arquiteta e urbanista por formação. No mundo dos chocolates ela encontrou um espaço para ousar, com autenticidade e aplicando criatividade em cada processo.
Com coragem, em meio a uma mudança de carreira, ela começou a planejar seu novo negócio ainda em 2019. Durante a pandemia de Covid-19 a doce aventura foi se estabelecendo, quando ela passou a testar receitas em casa para produzir chocolates.
Começou ali o que viria a se tornar a Moa Chocolates, pioneira no movimento Bean to Bar no Ceará, que compreende a produção de chocolates do grão de cacau até a barra. Com cacau de origem amazônica, a Moa aposta em um processo ecologicamente mais consciente e sustentável.
De lá para cá, a Moa foi reconhecida inúmeras vezes internacionalmente. A exemplo o prêmio International Chocolate Awards 2023 Americas, em que o chocolate 70% Cupuaçu foi eleito o melhor chocolate intenso e venceu.
Para ela, o seu chocolate nasceu de uma vontade de criar um produto que carregasse qualidade, verdade e propósito, refletindo de onde ela vem e o que acredita. Uma marca que surge da conexão profunda que Giovanna mantém com o cacau e com sua terra.
Ao Sabores da Cidade, Giovanna detalhou quem é a profissional Chocolate Maker, empresária e diretora criativa da Moa, além de compartilhar as histórias que acumulou durante esse caminho de sucesso.
A profissional detalhe os desafios, aprendizados e mais sobre quem ela é quando não está como CEO da empresa. Confira a entrevista completa abaixo.
Sabores da Cidade: Quem era a Giovanna antes de iniciar uma carreira no mundo dos chocolates? E o que te levou a construir uma vida em Fortaleza?
Giovanna Mondardo: Sou arquiteta e urbanista de formação, e antes do chocolate, trabalhava com obras, execução de projetos arquitetônicos. Sempre gostei do lado criativo, das soluções manuais, de desenhar, pintar, pensar ideias — mas na profissão nem sempre conseguia colocar tudo isso em movimento do jeito que gostaria.
Foi quando entrei no mundo do chocolate que realmente consegui explorar esse lado criativo de forma completa. Desenvolver a Moa do zero me permitiu criar tudo com a minha cara: desde o nome, a identidade visual, as embalagens, até as receitas – onde exploro meu amor por gastronomia e coloco todo meu repertório de sabores em ação. É um trabalho muito autoral e é onde realmente deixo minha criatividade fluir.
Vim pra Fortaleza por motivos pessoais, e me conectei muito com a cidade. Me lembra minha terra natal, na Amazônia: muito sol, calor, pessoas calorosas, praias lindas. Então foi natural me sentir em casa aqui, onde a Moa acabou se enraizando.
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De alguma forma, o cacau sempre esteve na sua vida?
Sim, de certa forma. Quando eu morava no Pará, o cacau era uma fruta comum no nosso dia a dia, por ser nativa da floresta amazônica. Sempre esteve por perto, mesmo que eu não enxergasse ainda o potencial que ele tinha. Mas quando fui embora do Pará ainda muito nova, acabei me distanciando não só do cacau, mas de muitas coisas ligadas às minhas origens. Acho que por isso hoje tenho ainda mais apego à minha terra — porque entendo o quanto ela é rica e o quanto carrego dela comigo.
A conexão mais profunda com o cacau veio anos depois, já adulta, quando conheci de perto a cadeia produtiva e entendi tudo o que esse ingrediente representa: cultura, história, sabor, impacto social, força de território. Foi aí que tudo fez sentido. A partir desse contato mais consciente, mergulhei de vez nesse universo — e o cacau se tornou parte central da minha vida e do meu trabalho.

Como a Moa Chocolates nasceu?
A Moa nasceu do desejo de trabalhar com algo que tivesse conexão com as minhas origens. Eu já estava em um momento de transição profissional e pessoal, repensando os caminhos que queria seguir.
Quando me reconectei com o cacau, algo fez muito sentido pra mim — era um ingrediente que vinha da floresta de onde eu nasci, que carrega identidade, cultura e história, e que merecia ser valorizado. Foi aí que surgiu a vontade de dar visibilidade ao cacau brasileiro, especialmente o amazônico.
Comecei de forma bem simples, testando receitas na cozinha de casa, estudando muito sobre o processo de produção e buscando formas de transformar aquele ingrediente em um chocolate que tivesse qualidade, verdade e propósito. Fui entendendo que, mais do que fazer chocolate, eu queria criar um produto que refletisse de onde eu venho e o que eu acredito.
Como foi pensada a ideia e execução do conceito do “grão à barra” na Moa Chocolates? Como funciona?
Desde o início, o conceito “bean to bar” (grão à barra, em tradução para o prtuguês) foi o que me atraiu. Ele representa autonomia, transparência e cuidado em todas as etapas da produção. Na Moa, escolhemos trabalhar com cacau de origem, de pequenos produtores, com rastreabilidade total.

Acompanhamos desde a seleção dos lotes, passando pela torra, moagem, refino, conchagem, até a moldagem e finalização do chocolate. Esse processo artesanal respeita o tempo do ingrediente e revela sua identidade mais profunda. É como se cada etapa fosse um convite para escutar o que aquele cacau quer contar.
Ao adotar o grão à barra, a Moa não apenas garante qualidade e autenticidade, mas também reforça o compromisso com quem está na ponta da cadeia: os agricultores, as florestas, e o próprio sabor do Brasil.
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A Moa acumula muitos reconhecimentos, especialmente internacionais, de melhor chocolate em algumas categorias. Como é ter o seu trabalho e da sua equipe premiado?
É muito gratificante ver nosso trabalho reconhecido, ainda mais sendo algo que começou de forma tão pequena e feita com tanto cuidado. Cada prêmio mostra que estamos no caminho certo, e reforça a importância de manter o foco na qualidade, mesmo com todos os desafios.
Mas o mais importante pra mim é ver o cacau brasileiro sendo valorizado lá fora e o Nordeste em destaque no mapa mundial do chocolate. É um orgulho enorme mostrar que temos ingredientes e produções de altíssimo nível aqui.
Com um negócio de sucesso na capital cearense, quais os maiores desafios que relembra nessa trajetória sua com a Moa?
No início, foi desafiador estruturar tudo. Comecei em casa, então os equipamentos precisavam ser pequenos, acessíveis e adaptados ao espaço que eu tinha. Mas mesmo os menores ainda exigiam investimento — e pra isso, eu precisava vender. E pra vender, precisava produzir mais. Foi esse ciclo do começo que exigiu muito jogo de cintura e organização.
Além disso, encontrar um espaço adequado para montar a fábrica foi um grande desafio. Eu precisava de um lugar relativamente grande, com valor de aluguel baixo, o que parecia quase impossível. Mas, por coincidência, era o período da pandemia, e muitos imóveis comerciais estavam vagos — o que acabou me ajudando nesse ponto.

E mesmo depois de estruturada, a Moa ainda enfrentava um obstáculo importante: abrir mercado para um tipo de produto que as pessoas aqui ainda não conheciam. Explicar o que é chocolate bean to bar, mostrar por que ele é diferente e fazer com que o consumidor enxergasse valor em algo local foi (e continua sendo) um grande desafio. Mas é também o que me motiva a seguir.
Sobre o processo criativo de suas criações, como ele funciona? Você está sempre buscando inovar nos sabores e processos?
Sim, eu adoro essa parte. Estou sempre provando coisas diferentes, testando combinações e buscando referências fora do óbvio. Em uma das últimas viagens, trouxe mais de 50 barras de chocolate de vários países pra estudar e degustar.
Isso me ajuda a entender o que está sendo feito no mundo, mas também me inspira a pensar como posso aplicar de forma original aqui. Tenho um bom feeling pra criar sabores e equilibrar ingredientes. Gosto de misturar coisas que fazem sentido com o nosso território, mas sem perder leveza. Às vezes uma ideia vem de um ingrediente que encontro, de uma memória, ou de algo que experimentei por acaso.
E sim, eu amo inovar. Acho essencial ter produtos diferentes, que despertem a curiosidade de quem ainda não conhece o chocolate bean to bar. Criar sabores que sejam ao mesmo tempo acessíveis e surpreendentes ajuda a aproximar o público e mostrar que dá pra sair do comum sem complicar.
Como a sua marca se reinventa para estar competitiva no mercado?
A gente está sempre se adaptando e ouvindo quem consome, buscando entender o que faz sentido dentro da nossa proposta. Mas acima de tudo, a Moa se reinventa sem perder a essência: fazer chocolate de verdade, com propósito, transparência e ingredientes bem escolhidos.
Outra coisa que pesa muito nas nossas decisões é a consciência ambiental. Isso está presente no bean to bar e é algo que eu levo a sério. A gente usa embalagens compostáveis, trabalha com energia solar e, às vezes, até abre mão de opções mais bonitas só porque têm plástico.
Ainda não conseguimos ser 100% sustentáveis — principalmente porque muitas soluções ecológicas são absurdamente mais caras — mas tudo que conseguimos ajustar, a gente ajusta.
Na Páscoa, por exemplo, criamos cestas feitas à mão com palha de carnaúba por artesãs de Juazeiro o Norte. Além de evitar embalagem descartável, conseguimos valorizar o trabalho artesanal e local. Pra mim, reinventar também é isso: buscar soluções mais conscientes e que tenham mais sentido no todo.
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Quem é a Giovanna quando não é proprietária da Moa e chocolate maker? O que gosta de fazer?
Sou mãe, e estar com a minha filha é uma parte muito importante da minha vida. Amo estar com a minha família, ir à praia, sair pra comer em um bom restaurante e, sempre que posso, estar em contato com a natureza.
Gosto também de cozinhar tomando uma boa taça de vinho, descobrir ingredientes novos, assistir programas de culinárias e todos os documentários que falem da Amazônia. São coisas simples que me inspiram, sem forçar, no meu tempo.
Pitadas de Giovanna

Qual o seu chocolate favorito?
Gosto dos meios intensos, dark milk, sempre bean to bar, com zero adstringência e notas frutadas que dançam na boca. Na Moa, o bombom de cumaru com flor de sal, 70% com cupuaçu e bombom de gianduia.
Livro predileto?
O Diário de Anne Frank — li duas vezes e, depois de visitar campos de concentração, me marcou de forma profunda e irreversível. Também me tocam livros como Onde Cresce o Chocolate, escrito por mulheres do bean to bar, e Making Chocolate: From Bean to Bar to S’more.
Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
Sushi é vício — Ryori e Kamibaa. Sou apaixonada pelo Muá Tuá, Baretta, Painê e o Gingado.
Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
O mar, sempre. Mas também amo Estação das Artes e almoçar no domingo no Passeio Público.
Saiba mais
Moa Chocolates
Instagram: @moachocolates
Endereço: Av. Santos Dumont, 3465, sala 101 – Aldeota