Chef Bia Leitão: Foliã de coração, militante e apaixonada pela cozinha brasileira

Bia Leitão (Foto: Arquivo Pessoal)

O amor da chef Bia Leitão pela comida começou na adolescência e evoluiu ao ponto de levá-la a mudar de profissão. Antes atuava como produtora cultural, mas foi na cozinha que ela se encontrou e construiu uma rica trajetória. Carnavalesca, militante e mãe, Bia atua especialmente como consultora e desenvolve menus de destaque por onde suas mãos tocam.

E falando em Carnaval, ela é foliã de coração. O sentimento é tão forte que é marcado na pele, com tatuagem. Na cozinha, os olhos brilham com os sabores da cozinha tradicional, na diversidade da brasileira e nas tradições da nordestina e também na cearense.

Ao Sabores da Cidade, Bia Leitão contou mais sobre seu percurso, os planos para o futuro, sua relação com o Carnaval e algumas curiosidades. Ela conta também de como atua politicamente por uma alimentação mais consciente, sem ultraprocessados, e a valorização da cultura alimentar do Estado.

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Sabores da Cidade: Bia, como a gastronomia entrou na sua vida?

Bia Leitão: Então, a gastronomia, na verdade a comida, entrou desde a minha adolescência. Eu gostava de cozinhar, mas assim, profissionalmente, começou mais um interesse quando eu fui morar em São Paulo, eu era casada com o Léo, que hoje também é chefe de cozinha, e aí a gente tinha um blog, e a gente começou a cozinhar mais sério, chegamos a convidar pessoas em casa por um projeto que a gente tinha de cozinha de autor, e aí eu comecei a fazer faculdade nessa época, isso por 2007, e aí eu era produtora cultural, acabei largando a produção para viver da cozinha, e foi por aí que a coisa virou mais séria.

Na sua jornada como chef, quais foram os maiores desafios?

Eu acho que os maiores desafios é você largar uma carreira que você já tinha e começar do zero outra, enfim, não é fácil, acho que a cozinha profissional é um ambiente muito difícil de você lidar, não só porque é um trabalho exaustivo fisicamente, de você ficar em pé de ser um lugar que queima, que é de fato fisicamente desgastante, como também é um ambiente muito machista, um ambiente muito misógino, então acho que essas são as principais dificuldades que uma mulher enfrenta no mercado. Além de fato realmente ser algo extremamente cansativo e desgastante, fisicamente, mas é super prazeroso, tem uma parte boa também, não é só ruim não.

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Sua cozinha tem uma filosofia específica? Se sim, como você a aplica nas suas criações?

Eu não sei se eu poderia chamar de filosofia, mas se eu pudesse definir a minha cozinha ou a minha preferência de pesquisa, é cozinha brasileira, especificamente cozinha nordestina e cearense. Tem muitos anos que eu já pesquiso a cultura alimentar do Ceará, do Nordeste, e assim, cozinha popular tradicional para mim é a cozinha mais mágica que tem, a cozinha que tem mais alma, que tem mais identidade, e sempre que eu posso reproduzir isso nos meus cardápios, eu faço.

Nem sempre o cardápio que você vai trabalhar, que você vai criar, é um cardápio que você tem total autonomia, né? Às vezes o contratante tem um perfil diferente do seu e tudo bem, mas assim, o que eu gosto é fazer mesmo a cozinha brasileira.

Não necessariamente cozinha brasileira revisitada, não é muito minha cara super modernizar a cozinha brasileira, não, sabe, eu gosto de cozinha brasileira do jeito que ela é. No máximo uma pequena releitura, alguma coisa assim, mas eu acho que a cozinha brasileira é completa do jeito que ela é, então eu não sou muito aí das espumas, das reduções, das esferas, não. Eu sou do que eu acho que é, se alguém inventou aquilo ali, eu acho bonito demais, assim, a cozinha popular tradicional, vejo poucas necessidades aí de revisitar demais, assim. Mas não sou contra, não, mas assim, não é muito a minha pegada.

Falando em processo criativo, como você se inspira para criar na cozinha?

Eu acho que o processo criativo, ele tem muito a ver com a sua essência, não é mesmo? Como eu te disse, eu sou apaixonada pela cozinha popular tradicional, não quer dizer que, por exemplo, a gente não possa fazer uma sobremesa inspirada num bolo de rolo, eu acho genial. E aí é uma releitura que não precisa ser super minimalista, ela pode ser super fiel aos sabores.

Eu acho que o meu lado criativo, ele vai passar pela cozinha brasileira, pela cozinha nordestina e pela cozinha cearense, sem muitos invencionisses, mas respeitando os sabores, respeitando os ingredientes e dando aí o meu toquezinho, acho que isso é o que eu mais gosto de fazer.

Mas, como eu te disse, eu trabalho com consultoria, então, dependendo da demanda do meu cliente, a gente vai trabalhar com o que for possível. Então, eu posso ser super criativa fazendo, sei lá, uma cozinha francesa, uma cozinha italiana, uma cozinha de boteco, né? Então, aí depende muito do que o mercado está pedindo na época, mas o que eu gosto mesmo de fazer é cozinha brasileira.

Bia Leitão (Foto: Arquivo pessoal)

Quem é a Bia Leitão fora da cozinha? O que gosta de fazer e o que te representa?

A Bia e tamo fora da cozinha, ela é mãe, muito mãe, mãe de dois meninos. E depois disso, eu acho que ela é uma figura que tenta não sucumbir às dificuldades, acho que tenta encontrar leveza nas coisas, se possível, escapando pelas brechas. Acho que como mãe solo, a gente aprende a ser muito resiliente, né? E pulando os obstáculos ou desviando deles.

A Bia fora da cozinha, ela é carnavalesca, ela é pagodeira. Total carnavalesca, estou agora daqui a pouco, pra mim, cheia de glitter. Hoje o look é prateado, com preto, vou ficar linda. E é isso, da embaixada também, de esquerda, uma pessoa que tem sua militância política, inclusive leva para a questão da cultura alimentar, contra ultraprocessados, contra alimentação, contra o genocídio alimentar, que é um genocídio de classe. Então, acho que essa é a Bia fora da cozinha, num pequeno resumo. Mas a gente é muita coisa, né?

Conta um pouco mais sobre sua atuação no Em Nome da Pizza e no Azilados.

O Azilados foi um grande parceiro em 2024, a empresa que eu fiquei um ano, e juntos nós criamos a Em Nome da Pizza, que é uma marca que eu adoro, adoro tudo, adoro o perfil dela, adoro o tamanho da pizza, adoro a combinação de sabores que nós criamos, a gente fez tudo muito bem pensado dentro da casa para não ser uma pizza comum, então nosso tomate é confitado na casa, nossa cebola é caramelizada e é feita por nós, todas as compotas, todas as conservas são feitas pela gente, os picles, então assim, é uma pizza muito pensada com muito cuidado, sabe, então é um produto realmente fora da curva.

E o Azilados já existe há 16 anos, 17, e eu interferi pouco no cardápio dos Azilados, mas criei uma linha de saladas e wraps que a gente lançou. Mas agora na segunda metade do ano e os Raps foram lançados agora, então são produtos muito legais também, uma marca de saladas super bacana, super bem envelopada, numa caixinha, um tamanho joia, a gente tem uma salada de frango defumado maravilhosa, com manga, a gente tem salada de camarão, então foram produtos que eu pensei com muito carinho em parceria com Azilados, não estamos mais juntos por enquanto, espero que as portas estejam abertas sempre para que a gente crie novas marcas, que a gente traga novos sabores aí, mas é isso, acho que foi um ano super legal e divertido em parceria com esse grupo.

Na sua trajetória, teve o Top Chef Brasil há seis anos atrás. Como é relembrar essa participação?

Pois é, né, gente? Teve essa do Top Chef. Acho tão engraçado, porque parece que foi em outra vida. Foi engraçado, assim. Eu tenho grandes amigos que vieram do Top Chef. Inclusive, acabei de voltar das Bahamas, do Caribe. Fui lá ajudar um amigo meu a inaugurar um restaurante, que é o Sotero, que participou comigo do Top Chef. A gente tem muito contato, a gente se respeita muito. Assim, eu sinceramente, enquanto profissional, não acho que foi algo que me agregou demais. Acho que a gente super valoriza esses programas, às vezes. Mas como experiência pessoal, assim, é divertido. Virou uma grande história de bar. A gente senta, conta, acha graça, né?

Eu acho que isso não define ninguém ali enquanto profissional, nem quem ganhou, nem quem perdeu no primeiro. Acho que são profissionais massas, né? E ali é uma gincana, é quem pensa rápido, é quem corre mais, é quem tem a boa ideia naquela hora, é quem não erra, e cozinha não é uma ciência exata, muitas vezes você vai errar ali, né, então às vezes esses programas podem ser meio injustos, mas eu acho divertido, gosto de lembrar, acho graça, não é algo que foi pesado para mim, mas também não é nada que diga, oh, nossa, mudou minha carreira, mudou nada, na verdade, só virou história mesmo.

Olhando para o futuro, o que a gente pode esperar dos próximos passos da chef Bia Leitão?

O que eu queria mesmo era diminuir o ritmo. Acho que trabalho muito, sempre trabalhei muito, muitos anos sem férias, muitos anos sem descanso, isso tem uma conta que uma hora chega e eu acho que a Bia Leitão do Futuro podia tentar encontrar formas de conseguir viver de forma menos acelerada e menos pesada, até porque a cozinha, como eu falei no começo, é um ambiente muito desgastante.

Mas é isso, estou aberta a projetos, acabei de voltar do Caribe e estou aí com alguns projetos de consultoria, mas nada, muito fechado, então estou procurando. Inclusive fora do Ceará, achei, adorei passar um tempo fora. Acho que às vezes a gente fica muito enraizado, por mais que eu ame a cozinha cearense, às vezes é importante a gente olhar por cima do muro, né? Conhecer novas pessoas, conhecer novas cozinhas e para depois voltar e trazer essa bagagem de volta.

Acho que a Bia do Futuro quer paz e trabalhos que sejam respeitosos. A cozinha pode ser um lugar muito tóxico, então eu acho que você conseguir trabalhar num ambiente saudável, com contratantes saudáveis, com equipes de forma que se sintam bem nesse ambiente. Acho que essa Bia do Futuro quer só isso aí, é pedir tão pouco, né?

O Carnaval é muito significativo para você, o que a Bia foliã mais gosta dessa época do ano?

Olha, a Bia Leitão, então, ela é outra coisa não, mas ela é fuliã. Sabe, tem tatuagem de carnaval, a minha casa é… Eu tenho caixas, mulher, monoblocos, sabe esses monoblocos de feira que o povo bota verdura? Caixas e caixas de fantasia. E meias e maquiagens e acessórios e tal. E ainda vou fazendo outros, ontem fui dormir um e meio da manhã fazendo acessórios de cabeça de amanhã, né? E de terça.

Bia Leitão (Foto: Arquivo pessoal)

Então, assim, a Bia fuliã, que é que ela gosta do carnaval, ela gosta da liberdade do deboche, das cores. Ela acha, eu acho de verdade, assim, que os corpos no carnaval eles são tão livres, é tão bonito, né? É como se a rua inteira virasse, assim, um grande fantasia, né? Uma coisa lúdica, né? Diferente do que, por exemplo, minha mãe, muito religiosa, sempre ligou o carnaval, a promiscuidade. Ao pecado. E eu vejo o extremíssimo oposto, sabe? Eu vejo o Carnaval tão infantil, tão da brincadeira, tão feliz, tão alegre, tão de celebração, sabe? Celebração de vida, celebração de encontros. Eu acho que o Carnaval é o oposto da promiscuidade.

Sinceramente, eu não vejo o Carnaval como esse lugar do sexo, da bebida. Tem também, né? Mas eu vejo o Carnaval de uma forma tão mais lúdica, tão mais bonita, sabe? Uma coisa realmente que podia estar no âmbito do fantástico mesmo, que é uma coisa que parece que não é real. E é uma pena que sejam só quatro dias por ano, porque por mim podia pelo menos dar uma quebrada para a cada seis meses ter um pouquinho, porque faz falta, faz falta as. A leveza para mim que é o Carnaval. Daqui a pouquinho estou me montando para me juntar a essa fantasia também.

Carnaval 2025: Quais são suas comidas de rua favoritas entre um bloco e outro?

Comida no carnaval é aquela coisa. Eu, a Bia de amanhã, de mais tarde, vai agradecer muito a Bia de terça-feira. Quarta-feira que deixou lasanha pronta, caldo de peixe. Eu deixo umas coisas prontas porque eu já passei carnavais inteiro praticamente sem comer. Mas na rua eu sou da praticidade. Dificilmente eu vou parar num canto, vou sentar e vou comer. Então eu sou time espetinho. Time espetinho, time pratinho.

Se eu encontro um pratinho bacana, aí é alegria demais. É em pé mesmo. E é isso, um vatapazinho, um baiãozinho. Mas eu ainda sou mais o espetinho, sabe? Um espetinho de coração, um espetinho de frango, sabe? E aí segue. Porque aí não pesa, né? E aí você não fica ali cheia, não amulece e tal. Eu acho que a comida de outro carnaval, ela é isso aí. É comendo e andando, não dá muito pra pensar, senão tu perde o bloco.

Pitadas de Bia Leitão

O que não pode faltar na sua cozinha?
Manteiga da terra e coentro. Coentro, principalmente. Sem coentro, eu não existo. E nem confio em quem não gosta de coentro.

Qual receita de família é marcante para você? De quem é?
A mamãe nunca cozinhou muito, sabe? Mas tem uns clássicos, assim, por exemplo, a mamãe tinha um rocambole de carne, que a massa era de batata, que, nossa senhora, ave Maria, chega eu me lembrei agora, socorro. E um bolo de chocolate que ela tinha, que era clássico, com cobertura de chocolate e tal. Acho que essas duas. E delícia de abacaxi, que eu amo até hoje. Mas, assim, a mamãe não era muito de cozinhar, não. Então, quando ela ia para a cozinha, ela sempre fazia coisas muito joias.

Uma música para ouvir cozinhando?

Depende do que você vai cozinhar. Churrasco é pagode, se é um jantarzinho com o boyzinho, acho que um Gilberto Gil, que eu amo, um Caetaninho, uma Buena Vista, amo cozinhar com Buena Vista Social Club.

Livro predileto? Não precisa ser de gastronomia.
Eu vou pegar um que mistura cozinha e literatura, que é o Açúcar, do Gilberto Freyre, que eu amo, de verdade, é um livro pra mim muito especial.

Para você, quais os sabores da cidade de Fortaleza?
Fortaleza é a cara do peixe à delícia, que era a comida preferida do meu pai. Então, toda a vida que eu penso em Fortaleza, para além da peixada, do peixe frito, né? Da praia, desse jeito, eu penso no meu pai.

Um lugar em Fortaleza fora da cozinha?
Praça do Ferreira, com o Leão do Sul, a gente dá uma volta ali no passeio, a gente no Lions, na Praça do Lions, né, que já veio o carnaval, na Praça dos Leões, filhas, a mamãe.

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