Mulheres fortalezenses criam negócios de sucesso nas calçadas e praças da cidade, garantindo o sustento do próprio núcleo familiar e de outras famílias, além de movimentarem a economia local




As calçadas e praças de Fortaleza são pontos de encontros para quem busca comer um ícone da cultura alimentar cearense, chamado carinhosamente de pratinho. Famoso nos festejos juninos, a iguaria tornou-se atemporal na capital do Ceará, presente em cada parte da cidade, e importante fonte de renda para famílias em negócios encabeçados, principalmente, por mulheres.
Creme de frango, vatapá, paçoca, arroz branco ou baião de dois, linguiça calabresa, salada. Uma combinação de dar água na boca dos fortalezenses. Há quem também chame de “pratim”, que é pequeno apenas no nome. A iguaria tem ganhado novos incrementos e variações de tamanhos.
São muitas as opções de ingredientes que podem compor a comida. Hoje, as variações continuam com a base citada anteriormente, mas ganham novos acompanhamentos, como macarronada, feijão tropeiro, escondidinho de carne do sol, suflê de frango, fricassê e salpicão.
Essas opções a mais estão presentes, por exemplo, no Pratinho da Madrugada, conhecido pelas filas que se formam para provar o famoso pratinho, eleito o melhor de Fortaleza por votação popular no Melhores Sabores da Cidade 2025.
O ponto é um dos mais populares da cidade. O Pratinho da Madrugada nasceu em 2010, quando Luísa Maria dos Santos, 58, chamou o seu marido, José Roberto, para vender a comida, então no bairro Planalto Pici. De lá para cá, a venda foi transferida para a Beira-Mar, onde conquistou o sucesso e bons fregueses, além de outros locais de vendas.
Nessa trajetória, o pratinho “representa muitas coisas boas” para Luísa Maria, ela destaca. Em meio aos desafios e com perseverança, a iguaria também tem papel central na vida de outras mulheres da capital da Terra do Sol e assume protagonismo na geração de renda.
Donas do próprio negócio
Luísa Maria deu o pontapé na criação do Pratinho da Madrugada e hoje é dona de alguns pontos distribuídos na cidade, caminhando para um quarto local. “Eu que comecei fazendo as comidas, agora tenho funcionários, mas não saio de dentro da cozinha”, conta.

O negócio é o principal meio de faturamento da família da empreendedora. Com a comercialização da comida, ela garante o sustento e manutenção da casa. “A minha renda é só das vendas do pratinho. É toda para a minha casa. Tudo sai do meu pratinho, para resolver tudo”, ressalta.
Os pontos de venda são na avenida Beira-Mar e nos espaços gastronômicos Villa Food Park e Arena Food Park, nos bairros Meireles, Vila Pery e Parangaba, respectivamente. Agora, a empreendedora caminha para abrir um novo lugar, previsto para novembro deste ano, na Estação Fashion, no Centro.
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Greicilane Melo, 37, conhecida como Lane, também enxergou na comida de rua a resposta para o sustento da família. Em meio aos desafios da pandemia de Covid-19, ela precisou fechar a venda de comida que mantinha em uma lanchonete de uma faculdade.
Com isso, a vendedora viu na calçada de casa a chance de um recomeço e criou o Pratinho da Silvia, nome em homenagem à sua mãe. “No início era mais um passatempo, uma forma de sustento enquanto a pandemia passava. Isso já faz 5 anos”, relembra Greicilane. Nesse início, ela trabalhava com retirada e entrega, o que não exigia uma grande estrutura. Isso viria a mudar com a popularização do seu pratinho, que teve início no bairro Rodolfo Teófilo.
O crescimento foi tamanho, que ela precisou expandir. E conseguiu, hoje com um ponto fixo no bairro Bela Vista. “Nesses cinco anos, são muitas histórias, mas até hoje o que mais me marcou foi conquistar o nosso espaço físico, que além de ser amplo, é bem localizado. Era um sonho distante e conseguimos”, conta.
Ela continua: “São muitas conquistas. Mas as principais foram: sustentar minha família, ser fonte de renda para mais de 15 famílias, conquistar minha independência financeira e, principalmente, ver funcionários que começaram comigo lá no início e continuam até hoje. Isso não tem preço”.

De forma semelhante, Maria Lindomar Nepomuceno, a Linda, 52, também sofreu com a pandemia. Antes do episódio que deixou sequelas no mundo inteiro, a empreendedora mantinha sua venda em um carrinho que conseguiu adquirir com a ajuda do pai de seus filhos e de uma amiga. Na época, ela não pode continuar os negócios.
Seu ponto é destino certo para quem visita a praça da Cidade 2000. Mas, até chegar a conquistar o seu espaço no local, Linda conta que passou por algumas dificuldades, não apenas para comprar os seus materiais de trabalho, mas de ser aceita por outros comerciantes.
“Eu parcelei o carrinho quatro vezes no cartão de uma amiga (…) Hoje eu mudei outras coisas e tudo, mas tudo que eu tinha comprado para o pratinho da Linda foi com o cartão de uma amiga minha chamada Tânia. E foi ela, por ela também, que hoje o pratinho da Linda existe”, relembra.
Com a volta das vendas, Linda se restabeleceu. O seu pratinho chegou a ser reconhecido como o melhor da cidade, também na votação popular Melhores Sabores da Cidade. Devido ao empreendimento, ela obteve muitas realizações.

“A maior conquista mesmo foi quando eu comprei o meu apartamento com a venda dos pratinhos, porque eu sou uma menina que veio do Interior. Eu jamais na minha vida me imaginei sendo empreendedora. Eu jamais imaginei ter uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Eu jamais imaginei ganhar um prêmio de melhor pratinho da Capital”, afirma.
Assim como Linda, Maria Maia, 67, fundadora do Pratinho do Maia junto do seu marido, José Maia, 78, também esbarrou na pandemia. Ela chegou a ter três pontos de venda, mas precisou fechar. Hoje, no bairro Vila Velha, funciona o seu comércio.
Maria Maia começou a comercializar a iguaria em 2002, após desistir da venda de pastéis que havia iniciado dois anos antes na calçada de casa, em um momento que estava desempregada. “Inicialmente as vendas eram tão pouquinhas que eu pensei em desistir, mas como, naquele momento, não era uma prioridade para o meu sustento, eu deixei”, detalha.

No entanto, não foi uma trajetória fácil, como ela explica: “Trabalhar com pratinho, como qualquer ramo do comércio, você vive do dia a dia. Então, tem dias que há vendas suficientes, tem dias que não. Mas, como a gente precisa manter, permanecemos”.
Hoje, a sua família vive dos rendimentos da venda dos pratinhos. Ela conta que a estabilidade dos familiares e bens materiais foram conquistados com o dinheiro feito nas ruas. “A gente depende desse trabalho”, ela reforça.
Capacitação que faz a diferença no negócio
A aventura de desbravar o mundo dos negócios e montar empreendimentos pode ser surpreendente. Desde histórias de sucesso a casos de fracassos. As vendedoras de pratinho que têm a rua como o seu local de trabalho equilibram-se, muitas vezes, em um corda bamba que separa o que vai dar certo e o que precisa ser repensado.
A experiência diária fez dessas mulheres cozinheiras de mão cheia, que foram se reinventando ao longo dos anos. Linda e Luisa Maria, do Pratinho da Linda e Pratinho da Madrugada, nessa ordem, foram se aperfeiçoando na cozinha mesmo.
Linda Nepomuceno chegou a realizar curso de vigilância sanitária pela Prefeitura de Fortaleza, quando aprendeu, segundo ela, várias técnicas de higiene e refrigeração dos alimentos, que foram aplicadas no seu negócio.
Já Lane fez alguns cursos rápidos de culinária e gestão de negócios, como a formação de saladas no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), em Fortaleza, e treinamento de boas práticas de higiene e manipulação de alimentos, com a Nutriali Consultoria de Alimentos.
“Sempre busquei aprender, mas também aprendi muito na prática”, ressalta Lane. “O que mais apliquei foi a parte de organização da cozinha e boas práticas de higiene. Isso fez toda a diferença na qualidade do produto e na confiança dos clientes. Em relação à culinária, o que mais uso mesmo é a experiência que fui adquirindo”, completa.
No caso de Maria Maia, ela não “tinha noção de cozinha”, como conta. No momento em que esteve desempregada, utilizou o dinheiro dos direitos trabalhistas e investiu em formações para aprender técnicas, molhos e o manuseio de alimentos.

“Os direitos da minha empresa que eu recebi, apliquei todo no curso no Senac e montei, comprei os materiais para trabalhar”, detalha a proprietária do Pratinho do Maia. “Fiz inicialmente dois cursos para iniciar porque eu não tinha a menor noção de cozinha. Eu sempre fui dona de casa, mas nunca fui a pessoa de me identificar com a cozinha. Para eu poder iniciar um negócio, eu tive que fazer esses cursos, ir me aperfeiçoando. Durante muito tempo, anualmente, eu fazia uma reciclagem no Senac.
Geração de emprego e renda
Elas movimentam a economia local, não gerando apenas recursos financeiros que sustentam o próprio núcleo familiar, mas os de colaboradores. Maria Maia vende entre 100 e 150 pratinhos por dia, ela conta.

O número alto também é repetido nos outros negócios. No empreendimento de Lane, são mais 200 pratinhos por dia, além do restante do cardápio, que oferece também almoço e café da tarde. Na sua equipe, 15 colaboradores integram o negócio.
O Pratinho da Linda também registra acima de 100 pratinhos vendidos por dia. O que a impulsiona para o seu próximo sonho a ser conquistado. Ela deseja que as vendas a levem a ter uma cozinha industrial.
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Com quase 130 mil seguidores na rede social Instagram, o famoso Pratinho da Madrugada movimenta a economia em vários pontos da cidade. Atualmente ela conta com mais de 20 funcionários. Sobre as vendas, ela conta: “Na semana a gente vende 300, 400, fim de semana, sábado e domingo, é o dobro, o triplo. Eu faço muita comida no fim de semana”.
Os encontros
Já conhecido como um dos protagonistas da comida de rua em Fortaleza, com características atribuídas pela cultura alimentar local, o pratinho está presente em todas as Regionais da capital cearense, como mostra o estudo “Pratinho: de renda extra à comida de rua popular em Fortaleza”, realizada no Mestrado em Gastronomia, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Mais que clientes, são conquistados fregueses e firmados elos entre as empreendedoras e a comunidade do entorno. “Meus clientes sempre voltam. Tenho clientes desde o início das vendas”, destaca Linda.

É o que Lane destaca, “a relação é de muita proximidade”. “Muitos clientes viraram amigos. Temos pessoas que compram desde o comecinho, na calçada, e continuam fiéis até hoje. Essa ligação com a comunidade é uma das coisas mais especiais da nossa trajetória”, afirma.
O carinho também é sentido por Luísa Maria, do Pratinho da Madrugada, que relata ter filas esperando pelo carrinho antes mesmo da venda começar. “Todo dia eu chego, estão na fila, me esperando, eu chego 20h30,a fila já está enorme. Eu tenho muito orgulho”, diz.
Esses elos podem ser explicados no surgimento do pratinho. O professor José Arimatéa Bezerra, titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), detalha que a iguaria surgiu “como uma forma de ter acesso a uma comida que é de fora, mas ao mesmo tempo não é de fora, ou seja, se come um pratinho comprado de uma vizinha, de uma pessoa do bairro, comprado em uma calçada”.
“Base da nossa família”
Ele segue sendo popular e querido, protagonista de estudos, festivais e, até mesmo, projeto de lei para o seu reconhecimento como de relevante interesse cultural para o Estado. Em 2023, o pratinho teve seu lugar de destaque no primeiro Festival do Pratinho, realizado pelo equipamento público Mercado AlimentaCE. No ano seguinte, a programação ocorreu em julho e foi distribuída em dois dias, reafirmando a sua posição de uma comida que transcendeu o mês junino.
Nesse vai e vem de pessoas, histórias e sabores nas ruas, a iguaria cria um senso de comunidade e não é equívoco defini-lo como alicerce para o bem estar financeiro de muitas famílias.
Para Lane, é “a base” da família. “Trabalham comigo meus três filhos, minha nora, meu genro, além de sobrinhos, esposas de sobrinhos e alguns outros funcionários que se tornaram parte da família”, diz.
E ela vai além: “Representa identidade, raízes e oportunidade. O pratinho é uma tradição nordestina que une as pessoas, é comida de verdade feita para compartilhar. Para mim, vender pratinho é manter viva essa cultura e, ao mesmo tempo, escrever a minha própria história”.
O professor Arimatea também destaca a posição que o pratinho conquistou na cultura alimentar da capital da Terra do Sol. “Apesar de não ter uma longa história, uma duração em termos de tempo em relação à presença dele nas nossas práticas alimentares, ele pode ser considerado como algo que tem um vínculo muito forte, um vínculo com a nossa maneira de ser, um vínculo com a originalidade dele e até esse ponto pode ser considerado já como um alimento tradicional”, pontua.
Ele continua: “O alimento tradicional muitas vezes se inventa, não tem que ter necessariamente uma ligação histórica muito demorada com aquela população, aquele lugar, mas ele tem uma ligação afetiva, uma ligação relacionada à invenção, à criação e à. caracterização daquele lugar, a gente pode considerar como alimento tradicional do Ceará e, principalmente, de Fortaleza.
Assim, o pratinho vai além de uma forma de comer e servir. Ele é parte da cidade, dos sabores, da história de gerações e se perpetua na cultura alimentar de Fortaleza a cada colher que é levada à boca.
Onde comer:
Pratinho da Linda
Instagram: @pratinhosdalinda
Endereço: Avenida Central Leste – Praça da Cidade 2000
Funcionamento: Todos os dias, exceto nas quartas-feiras, das 18h20 às 23h45
Pratinho da Madrugada
Instagram: @pratinhodamadrugada
Endereço: Calçada da Av. Beira Mar, em frente ao Hotel Mareiro | Villa Food Park | Arena Food Park
Pratinho do Maia
Instagram: @pratinhodomaia
Endereço: R. Epaminondas Frota, 369 – Vila União
Funcionamento: Segunda à sexta-feira, das 19h15 às 23h
Pratinho da Silvia
Instagram: @pratinhodasilvia
Endereço: R. Viriato Ribeiro, 645 – Bela Vista
Funcionamento: Segunda à sexta-feira, das 10h às 21h